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Frédéric Bastiat
A
lei
é
um
conceito
negAtivo
A lei e a força realizam uma missão cuja inocuidade é evidente, a
utilidade palpável e a legitimidade indiscutível.
Isto é tão verdadeiro que um de meus amigos me fez observar que
a finalidade da lei é fazer reinar a justiça, o que, a rigor, não é bem exato.
Seria melhor dizer-se que a finalidade da lei é impedir a injustiça de rei-
nar. Com efeito, não é a justiça que tem uma existência própria, mas
a injustiça. Uma resulta da ausência da outra.
Mas quando a lei — por intermédio de seu agente necessário, a
força — impõe um modo de trabalho, um método ou uma matéria de
ensino, uma fé religiosa ou um credo, não é mais negativamente, mas
positivamente, que ela age sobre os homens. Ela substitui a vontade
do legislador por sua própria vontade, a iniciativa do legislador por
sua própria iniciativa. Quando isto acontece, as pessoas não têm mais
que se consultar, que comparar, que prever. A lei faz tudo por elas.
A inteligência torna-se para elas um móvel inútil; elas deixam de ser
gente; perdem sua personalidade, sua liberdade, sua propriedade.
Tente-se imaginar uma forma de trabalho imposta pela força, que
não atinja a liberdade; uma transmissão de riqueza imposta pela for-
ça, que não seja uma violação da propriedade. Se imaginar isto for
impossível, deve-se reconhecer que a lei não pode organizar o traba-
lho e a indústria sem organizar a injustiça.
A
AbordAgem
polÍticA
Quando um político, de dentro de seu escritório, observa a so-
ciedade, ele se surpreende com o espetáculo de desigualdade que se
apresenta diante de seus olhos. Ele deplora os sofrimentos que são
enormes para grande número de nossos irmãos, sofrimentos tornados
mais entristecedores ainda pelo contraste com o luxo e a opulência.
Talvez esse político devesse perguntar-se se um tal estado de coisas na
sociedade não tem por origem antigas espoliações, causadas por conquis-
tas, e também por novas espoliações, causadas pela lei. Ele deveria talvez
considerar a seguinte proposição: se os homens aspiram ao bem-estar e à
perfeição, o reinado da justiça não seria suficiente para produzir os maio-
res esforços em busca do progresso e a maior igualdade possível, compa-
tíveis com a responsabilidade individual que Deus estabeleceu para que
virtudes e vícios tenham para cada um sua justa consequência?
Mas o político nem pensa nisso. Seu pensamento está voltado para
as organizações, as combinações e arranjos, legais ou aparentemente
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A Lei
legais. Ele procura remediar o mal, aumentando e perpetuando a
verdadeira causa desse mal em primeiro lugar: a espoliação legal.
Já vimos que a justiça é um conceito negativo. Haverá, por-
ventura, alguma dessas ações legais positivas que não contenha o
princípio da espoliação?
A
lei
e
A
cAridAde
Diz-se: “Há pessoas que carecem de dinheiro”, e se apela para a lei.
Mas a lei não é uma teta que se enche por si mesma de leite e cujas veias
podem ser supridas em alguma fonte fora da sociedade. Nada entra no
tesouro público em benefício de um cidadão ou de uma classe sem que
outros cidadãos e outras classes tenham sido forçados a contribuir para
tal. Se cada um retirar do Tesouro a quantia com a qual houver contri-
buído, neste caso a lei não será espoliadora; porém, não estará fazendo
nada para aqueles que não têm riqueza. A lei só será um instrumento
promotor da igualdade se tirar de algumas pessoas para outras pessoas.
E nesse momento ela se torna instrumento de espoliação.
Sob esse ponto de vista, examinem-se o protecionismo das tarifas,
os subsídios, as garantias de lucro, as garantias de trabalho, de assis-
tência e esquemas de bem-estar social, a educação pública, o imposto
progressivo, o crédito livre, o serviço público. Vai-se descobrir sem-
pre que estão baseados na espoliação legal, na injustiça organizada.
A
lei
e
A
educAção
Diz-se: “Há pessoas que carecem de educação”, e se apela para a lei. Mas
a lei não é por si mesma uma tocha de saber que brilha e lança sua luz em
várias direções. A lei se estende sobre uma sociedade, na qual há homens
que sabem e outros que não sabem; cidadãos que necessitam aprender e
outros que estão dispostos a ensinar. Nesse assunto de educação a lei só
tem duas alternativas: ou deixar acontecer livremente o processo de ensino-
aprendizagem, sem usar a força, ou forçar a vontade dos homens nesse sen-
tido, tirando de alguns o necessário para pagar os professores que o governo
indicar para ensinar gratuitamente a quem necessitar. Mas neste segundo
caso, a lei fere a liberdade e a propriedade através da espoliação legal.
A
lei
e
A
morAlidAde
Diz-se: “Há pessoas que carecem de moralidade e de religião”, e
se apela para a lei. Mas a lei é força. E por acaso há necessidade de
salientar o quanto é violento e infrutífero usar a força em assuntos de
moralidade e de religião?
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Frédéric Bastiat
Parece que os socialistas, apesar das complacências que têm para
consigo mesmos, não podem deixar de perceber a monstruosa espo-
liação legal que resulta de tais sistemas e de tais esforços. Mas o que
fazem os socialistas? Eles habitualmente disfarçam esta espoliação
diante dos olhos de todos e dos seus próprios, usando para ela nomes
sedutores, tais como fraternidade, solidariedade, organização e asso-
ciação, e nos lançam no rosto que somos individualistas.
Mas garantimos aos socialistas que repudiamos somente a organiza-
ção forçada, jamais a natural. Repudiamos as formas de associação que
nos pretendem impor, jamais a livre associação. Repudiamos a fraterni-
dade forçada, jamais a fraternidade verdadeira. Repudiamos a solidarie-
dade artificial, que não consegue outra coisa senão impedir as pessoas de
assumirem suas responsabilidades individualmente. Não repudiamos a
solidariedade natural, que existe nos homens graças à Providência.
u
mA
confuSão
de
termoS
O socialismo, como as velhas ideias de onde emana, confunde a
distinção entre governo e sociedade. Como resultado disto, cada vez
que nos opomos a algo que o governo queira fazer, os socialistas con-
cluem que estamos fazendo oposição à sociedade.
Se desaprovamos o atual sistema de educação, os socialistas dizem
que nos opomos a qualquer sistema de educação. Se desaprovamos
o atual estágio em que se encontram as questões sobre religião, os
socialistas concluem que não queremos nenhuma religião. Se desa-
provamos o sistema de igualdade imposto pelo estado, eles concluem
que somos contra a igualdade. E assim por diante. É como se os
socialistas nos acusassem de não querer que as pessoas se alimentem,
porque recusamos a cultura do trigo feita pelo estado.
A
influênciA
doS
eScritoreS
SociAliStAS
Como foi possível prevalecer, no mundo político, a curiosa ideia de
fazer decorrer da lei o que nela não está: o bem, a riqueza, a ciência e a
religião, que, num sentido positivo, constituem a prosperidade? Será
isto uma consequência da influência de nossos escritores modernos
nos negócios públicos?
Presentemente, os escritores, especialmente aqueles da escola de
pensamento socialista, fundamentam suas diversas teorias numa hi-
pótese comum: eles dividem a espécie humana em dois grupos. As
pessoas em geral — excetuando-se o escritor — formam o primeiro
grupo. O escritor, sozinho, forma o segundo e o mais importante gru-
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