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A Lei
po. Certamente esta é a ideia mais estranha e mais presunçosa que
possa ter saído de um cérebro humano!
Com efeito, esses autores modernos começam por supor que as pes-
soas não trazem em si nenhuma motivação para agir, nenhum meio de
discernimento. Pensam que as pessoas são desprovidas de espírito de
iniciativa, que são matéria inerte, moléculas passivas, átomos sem espon-
taneidade, em suma, vegetais indiferentes à sua própria forma de existên-
cia. Pensam que as pessoas são suscetíveis de adotar, por influência da
vontade e das mãos de outrem, uma quantidade infinita de formas mais
ou menos simétricas, artísticas e acabadas. Além disso, nenhum desses
autores hesita em imaginar que ele próprio — sob os nomes de organi-
zador, revelador, legislador ou fundador — é esta vontade e esta mão,
esta força motivadora universal, este poder criativo cuja sublime missão
é reunir em sociedade esses materiais dispersos que são os homens.
Estes autores socialistas olham para as pessoas da mesma maneira que
o jardineiro olha para suas árvores. Assim como o jardineiro dá capri-
chosamente às árvores a forma de pirâmides, guarda-sol, cubos, vasos,
leques e outras coisas, da mesma forma procede o escritor socialista.
Segundo sua fantasia, ele talha os seres humanos, dividindo-os em
grupos, séries, centros, subcentros, alvéolos, ateliês sociais e outras
variações. E tal qual o jardineiro, que necessita de machados, serras,
podadeiras e tesouras para moldar suas árvores, cada socialista precisa
de força para moldar os seres humanos, o que ele somente encontra
na lei. Com esse objetivo, ele inventa a lei das tarifas aduaneiras, dos
impostos, da assistência social e das escolas.
o
S
SociAliStAS
deSejAm
deSempenhAr
o
pApel
de
d
euS
Os socialistas consideram a humanidade como matéria para com-
binações sociais. E isto é tão verdade que, se porventura os socialis-
tas tiveram alguma dúvida a respeito do sucesso destas combinações,
eles pedirão que uma pequena parte da humanidade seja considera-
da matéria para experiência. Sabemos o quanto é popular entre eles a
ideia de experimentar todos os sistemas. E um líder socialista, seguin-
do sua fantasia, pediu seriamente à assembleia constituinte que lhe
concedesse um pequeno distrito, com todos os seus habitantes, para
desenvolver sua experiência.
Assim procede todo inventor que fabrica sua máquina em tama-
nho pequeno antes de fazê-la em tamanho grande. Do mesmo modo,
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Frédéric Bastiat
o químico sacrifica alguns reagentes e o agricultor, algumas sementes
e um pedaço do campo que usou para experimentar uma ideia.
Mas que diferença incomensurável existe entre o jardineiro e suas
árvores, entre o inventor e sua máquina, entre o químico e seus rea-
gentes, entre o agricultor e suas sementes! O socialista pensa, de boa
fé, que a mesma diferença o separa da humanidade.
Não é de se espantar que os escritores do século XIX considerem a
sociedade como uma criação artificial saída do gênio do legislador. Esta
ideia, fruto da educação clássica, dominou todos os pensadores, todos
os grandes escritores de nosso País. Todos viram entre a humanidade
e o legislador as mesmas relações que existem entre a argila e o oleiro.
E ainda há mais! Mesmo quando eles aceitaram reconhecer que,
no coração do homem, existe um princípio de ação e, no intelecto
humano, um princípio de discernimento, ainda assim consideraram
estes dons de Deus como funestos. Pensaram que as pessoas, sob a
influência destes dois dons, tenderiam falsamente para a sua própria
ruína. Apontaram como certo que, abandonada às suas próprias incli-
nações, a humanidade desembocaria no ateísmo em vez de na religião,
na ignorância, em vez de no conhecimento, na miséria, em vez de na
produção e na troca.
o
S
SociAliStAS
deSprezAm
A
humAnidAde
Segundo esses autores, há, na verdade, pessoas afortunadas, a quem
os céus concederam o privilégio de possuírem exatamente tendências
opostas, para benefício deles e do resto do mundo. São eles os gover-
nantes e os legisladores.
Enquanto a humanidade tende para o mal, eles, os privilegiados,
tendem para o bem. Enquanto a humanidade caminha para as trevas,
eles aspiram à luz; enquanto a humanidade é levada para o vício, eles
são atraídos para a virtude. E desde que tenham decidido que este
deve ser o verdadeiro estado das coisas, então exigem o uso da força
a fim de poderem substituir as tendências da raça humana por suas
próprias tendências.
Basta abrir, mais ou menos ao acaso, qualquer livro de filosofia, de
política ou de história, para que se veja o quanto está enraizada em nos-
so país esta ideia, filha dos estudos clássicos e mãe do socialismo. Em
todos eles, encontrar-se-á provavelmente a ideia de que a humanidade
é uma matéria inerte, que recebe a vida, a organização, a moralidade e
a prosperidade do poder do estado. Ou, então, o que é ainda pior, que
31
A Lei
a humanidade, por si própria, tende para a degeneração e só pode ser
contida nesta corrida para baixo pela misteriosa mão do legislador.
Por toda parte, o pensamento clássico convencional nos mostra,
por trás da sociedade passiva, um poder oculto que, sob os nomes
de lei, legislador, ou designado apenas de uma forma indeterminada,
move a humanidade, a anima, a enriquece e a moraliza.
A
defeSA
do
trAbAlho
compulSório
Consideremos inicialmente a seguinte citação de Bossuet:
Uma das coisas inculcadas (por quem?) com mais força
no espírito dos egípcios era o amor à pátria... A nin-
guém era permitido ser inútil para o estado. A lei in-
dicava a cada um sua função, a qual se perpetuava de
pai para filho. A ninguém era permitido o exercício de
duas profissões e nem tampouco passar de uma profis-
são para outra... Mas havia uma ocupação que devia ser
comum: era o estudo das leis e da sabedoria. Ignorar a
religião e a política do país não era desculpável em ne-
nhuma circunstância. Além disso, cada profissão tinha
seu cantão, que lhe era indicado (por quem?)... Entre as
boas leis, o que havia de melhor é que todo mundo era
treinado (por quem?) para obedecê-las... Como resul-
tado disto, o Egito encheu-se de invenções maravilho-
sas, e nada do que pudesse tornar a vida mais cômoda e
mais tranquila foi negligenciado.
Assim, os homens, segundo Bossuet, não tiravam nada de si: pa-
triotismo, prosperidade, invenções, trabalho, ciência, tudo era dado
ao povo através das leis ou dos reis. O que o povo tinha de fazer era
seguir os seus líderes.
d
efeSA
do
governo
pAternAliStA
Bossuet levou essa ideia sobre o estado como fonte de todo o pro-
gresso ainda bem mais longe, quando defendeu os egípcios contra a
acusação de que rejeitaram a luta e a música. Ele disse:
“Como é isto possível? Estas artes foram inventadas por Trimegis-
to (que se supõe ter sido chanceler do deus egípcio Osíris).”
E ainda entre os persas, Bossuet pretendia que tudo vinha de cima:
Um dos primeiros cuidados do príncipe era incentivar a
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