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NOVOS ESTUDOS 79
❙❙ NOVEMBRO 2007
phen Toulmin (Return to reason.
Cambridge, MA: Harvard University
Press, 2001).
[6] Para uma visão geral dos debates
recentes sobre as relações entre a ciên-
cia e outros conhecimentos, ver San-
tos,Boaventura de S.,Meneses,Maria
Paula e Nunes, João A. “Introdução”.
In: Santos, Boaventura de S. (org.).
Semear outras soluções. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005, pp. 21-
121;Santos,Boaventura de S.Toward a
new common sense,op.cit.,pp.7-55.
[7] Analiso em detalhe a natureza
do direito moderno e a coexistência
de mais de um sistema jurídico no
mesmo espaço geopolítico em San-
tos, Boaventura de S. Toward a new
legal common sense. Londres: Butter-
worths,2002.
[8] Neste trabalho tomo por assen-
te a ligação íntima entre capitalismo e
colonialismo. Ver, por exemplo, Wil-
liams, Eric. Capitalism and slavery.
Chapel Hill: University of North
Carolina Press, 1994 [1944]; Arendt,
Hannah. The origins of totalitarism.
Nova York: Harcourt Brace, 1951;
Fanon, Franz. Black skin, white masks.
Nova York: Grove Press, 1967; Hor-
kheimer, Max e Adorno, Theodor.
Dialectic of Enlightenment. Nova York:
Herde and Herder, 1972; Wallerstein,
Immanuel M. The modern world-
system. Nova York: Academic Press,
1974; Dussel, Enrique. 1492: el encu-
brimiento del otro. Bogotá:Anthropos,
1992;Mignolo,Walter.The darker side
of Renaissance. Michigan: University
of Michigan Press, 1995; Quijano,
Anibal. “Colonialidad del poder y
classificación social”. Journal of
World-
Systems Research, vol. 6, n. 2,
2000,pp.342-86.
[9] Assim, contrariamente àquilo
que afirmam as teorias convencionais
do direito internacional, o imperia-
lismo é constitutivo do Estado mo-
derno, e não um produto dele. O
Estado moderno,o direito internacio-
nal e o constitucionalismo nacional e
global advêm do mesmo processo his-
tórico imperial. Cf. Koskenniemi,
Martti.The gentle civilizer of nations: the
rise and fall of international law, 1870-
1960. Cambridge, UK: Cambridge
University Press, 2002; Anghie,
Anthony. Imperialism, sovereignty and
the making of international law. Cam-
bridge, UK: Cambridge University
Press, 2005; Tully, James. “The impe-
camponeses ou indígenas do outro lado da linha, que desaparecem
como conhecimentos relevantes ou comensuráveis por se encontra-
rem para além do universo do verdadeiro e do falso. É inimaginável
aplicar-lhes não só a distinção científica entre verdadeiro e falso, mas
também as verdades inverificáveis da filosofia e da teologia,que cons-
tituem o outro conhecimento aceitável deste lado da linha
6
. Do outro
lado não há conhecimento real;existem crenças,opiniões,magia,ido-
latria, entendimentos intuitivos ou subjetivos, que na melhor das
hipóteses podem se tornar objeto ou matéria-prima de investigações
científicas. Assim, a linha visível que separa a ciência de seus “outros”
modernos está assente na linha abissal invisível que separa, de um
lado, ciência, filosofia e teologia e, de outro, conhecimentos tornados
incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem nem aos cri-
térios científicos de verdade nem aos critérios dos conhecimentos
reconhecidos como alternativos,da filosofia e da teologia.
No campo do direito moderno, este lado da linha é determinado
por aquilo que se reputa como legal ou ilegal de acordo com o direito
oficial do Estado ou o direito internacional. Distinguidos como as
duas únicas formas de existência relevantes perante a lei,o legal e o ile-
gal acabam por constituir-se numa distinção universal. Tal distinção
central deixa de fora todo um território social onde essa dicotomia
seria impensável como princípio organizador, isto é, o território sem
lei, fora da lei, o território do a-legal, ou mesmo do legal e ilegal de
acordo com direitos não reconhecidos oficialmente
7
. Assim, a linha
abissal invisível que separa o domínio do direito do domínio do não-
direito fundamenta a dicotomia visível entre o legal e o ilegal que deste
lado da linha organiza o domínio do direito.
Em cada um dos dois grandes domínios — a ciência e o direito —
as divisões levadas a cabo pelas linhas globais são abissais no sentido
de que eliminam definitivamente quaisquer realidades que se encon-
trem do outro lado da linha.Essa negação radical de co-presença fun-
damenta a afirmação da diferença radical que deste lado da linha
separa o verdadeiro do falso, o legal e o ilegal. O outro lado da linha
compreende uma vasta gama de experiências desperdiçadas,tornadas
invisíveis, assim como seus autores, e sem uma localização territorial
fixa.Na verdade,como já apontei,existiu originalmente uma localiza-
ção territorial, a qual coincidiu historicamente com um território
social específico:a zona colonial
8
.Tudo o que não pudesse ser pensado
em termos de verdadeiro ou falso, de
legal ou ilegal, ocorria na zona
colonial. A esse respeito, o direito moderno parece ter alguma prece-
dência histórica sobre a ciência na criação do pensamento abissal. De
fato, foi a linha global que separava o Velho Mundo do Novo Mundo
que tornou possível a emergência, deste lado da linha, do direito
moderno e em particular do direito internacional moderno
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