[19] Nas vésperas
da II Guerra Mun-
dial as colônias e ex-colônias cobriam
cerca de 85% da superfície terrestre.
[20] Cf.Fanon,Black skin, white masks
e The wretched of the Earth, op. cit.;
Nkrumah,Kwame.Consciencism: philo-
sophy and ideology for decolonization and
development with particular reference to
the African revolution. Nova York:
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Gandhi reader. Bloomington: Indiana
University Press, 1956; Cabral, Amíl-
car.Unity and struggle: speeches and wri-
tings of Amílcar Cabral. Nova York:
Monthly Review Press,1979.
[21] Cf.Memmi,Albert.The colonizer
and the colonized. Nova York: The
Orion Press,1965;Dos Santos,Theo-
tonio. Socialismo o fascismo: el nuevo
carácter de la dependencia... Buenos
Aires: Periferia, 1973; Cardoso, Fer-
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1969; Frank, Andre G. Latin America:
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dependencia: una anticritica.Cidade do
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2000; Mbembe, Achille. On the pos-
tcolony. Berkeley: University of Cali-
fornia Press, 2001; Dean, Bartholo-
mew e Levi, Jerome M. (orgs.). At the
risk of being heard: identity, indigenous
linhas abissais ainda estruturam o conhecimento e o direito modernos
e são constitutivas das relações e interações políticas e culturais que o
Ocidente protagoniza no interior do sistema-mundo. Em suma, meu
argumento é o de que a cartografia metafórica das linhas globais sobre-
viveu à cartografia literal das linhas que separavam o Velho do Novo
Mundo. A injustiça social global está assim intimamente ligada à injus-
tiça cognitiva global,de modo que a luta pela justiça social global tam-
bém deve ser uma luta pela justiça cognitiva global.Para ser bem-suce-
dida, essa luta exige um novo pensamento — um pensamento
pós-abissal,cujas características apresento na parte final do artigo.
A DIVISÃO ABISSAL ENTRE REGULAÇÃO/EMANCIPAÇÃO
E APROPRIAÇÃO/VIOLÊNCIA
A permanência das linhas abissais globais ao longo de todo o
período moderno não significa que elas tenham se mantido fixas, já
que historicamente sofreram deslocamentos. No entanto, em cada
momento histórico elas são fixas e sua posição é fortemente vigiada e
preservada,assim como sucedia com as “linhas de amizade”.Nos últi-
mos sessenta anos essas linhas sofreram dois grandes abalos. O pri-
meiro teve lugar com as lutas anticoloniais e os processos de indepen-
dência das antigas colônias
19
. O outro lado da linha sublevou-se
contra a exclusão radical à medida que os povos que haviam sido sujei-
tos ao paradigma da apropriação/violência se organizaram e reclama-
ram o direito à inclusão no paradigma da regulação/emancipação
20
.
Durante algum tempo o paradigma da apropriação/violência parecia
estar chegando ao fim, bem como a divisão abissal entre este lado da
linha e o outro lado da linha. Os deslocamentos das linhas globais
epistemológica e jurídica pareciam convergir para o encolhimento e
finalmente para a eliminação do outro lado da linha,mas não foi isso o
que aconteceu,como mostram a teoria da dependência,a teoria do sis-
tema-mundo moderno e os estudos pós-coloniais
21
.
O segundo abalo das linhas abissais — no qual concentro minha
atenção neste texto —vem ocorrendo desde os anos 1970 e segue na
direção oposta.Desta feita,o movimento das linhas globais se dá de tal
forma que o outro lado da linha parece estar se expandindo enquanto
este lado da linha parece se encolher.A lógica da apropriação/violência
passa a ganhar força em detrimento da lógica da regulação/emancipa-
ção numa extensão tal que o domínio desta última não só se encolhe,
como também se contamina internamente pela primeira.A complexi-
dade desse movimento nos é difícil de divisar se não conseguimos nos
abstrair do fato de que o estamos olhando desde este lado da linha.
Para captar sua totalidade é necessário um grande esforço de descen-
tramento,e nenhum estudioso pode fazê-lo sozinho,como indivíduo.
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NOVOS ESTUDOS 79
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