Paixões no Deserto



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***

— Lind! Lind! — alguém me chamava com voz baixa. Acordei assustada, imaginando o que estaria acontecendo. Concentrei a audição tentando perceber algum som estranho, mas tudo era silêncio.

Certa de que tinha sonhado, voltei a me enrolar nos cobertores. Mal fechei os olhos e ouvi os gritos da Sra. Johnson.

Levantei da cama, enfiei a blusa de lã e já me preparava para sair da barraca quando algo me atingiu. Caí no chão e, por cima de mim, tombou o corpo sem vida de um dos homens que nos acompanhava na expedição. Ele tinha uma adaga cravada nas costas.

Gritei, fazendo coro à senhora Johnson, e corri para fora da barraca, sendo arrastada de volta por Bahir, Jordan e a Sra. Burton.

— Fique aqui! — ordenou Bahir, cujo sorriso havia dado lugar a uma expressão de comando.

— M-Mas...

— Fique aqui! — ele repetiu.

Jordan me abraçou e eu quis me livrar dele. Então nós ouvimos os cavalos e o som de luta, com lâminas de espadas chocando-se umas contra as outras. Apavorada, olhei o homem morto sobre meu saco de dormir e em seguida para a Sra. Burton, que parecia tão assustada quanto eu.

— Que fazemos agora, Jordan? — ela perguntou com voz trêmula.

— Onde estão os guarda-chuvas, Lind? — ele me questionou com urgência e eu indiquei minha mochila, não acreditando que o sujeitinho conseguia se preocupar com os guarda-chuvas numa hora daquelas.

— Temos que esperar Bahir. Ele nos dirá quando podemos sair.

Lá fora, o som de cavalos, espadas e gritos continuou, até que ouvi­mos algo riscar o ar e se chocar contra a lona de nossa barraca.

— Fogo! — gritei.

— Fogo! — a Sra. Johnson berrou lá fora, apavorada.

— Fogo. — falou Bahir, sem se desesperar.

Eu olhei para Jordan, que tinha me largado para agarrar a mochila.

— Vamos sair daqui! Andem! — ordenou ele.

Obedecemos e vimos as outras barracas ardendo e pessoas correndo de um lado para outro em pânico. Bahir tentava ajudá-las como podia, mas mal conseguia se mover em meio ao caos de cavalos e homens lutando no acampamento.

Paralisada pela visão dos corpos caídos e das labaredas, que ilumi­navam as silhuetas em luta, não me mexi quando Jordan gritou meu nome e nem percebi os gestos agitados de Bahir.

Só consegui perceber o homem que tinha erguido uma espada na mi­nha direção quando já era tarde demais para me esquivar de seu golpe.

Vi a lâmina crescer em minha direção, certa de que morreria ali mesmo, nas areias que passei a vida sonhando conhecer.

Como em um filme, a espada desceu e ergueu-se vermelha, com meu sangue nela. Senti uma dor lancinante no braço e, logo em segui­da, algo quente começou a escorrer por ele.

Olhei com surpresa para o atacante, como se não acreditasse no que estava acontecendo, e ele ergueu novamente sua arma afiada. Minha hora tinha chegado.

Fechei os olhos e comecei a rezar... quando senti alguém me tomar pela cintura e erguer meu corpo.

Virei espantada para o homem que me segurava com braços de aço e dei de cara com dois olhos azul-esverdeados brilhando em meio ao véu que escondia parte de seu rosto.

Fui jogada para trás e me ajeitei como pude sobre a sela do cavalo negro, que galopava sem parar. A última coisa que vi antes de desmaiar foi Jordan atirar minha mochila para meu salvador e o olhar espantado de Bahir.

No acampamento, cada vez mais afastado, a confusão ainda continuaria por algum tempo. Nenhum dos turistas saiu ferido ou morto, mas muitos dos homens que lutaram perderam a vida, tingindo as areias com o vermelho de seu sangue.

Bahir juntou o grupo e só então se deu conta de que, além de mim, faltavam também Jordan, a Sra. Burton e Luke e Bill, os dois filhos da Sra. Johnson.

Jordan e a mãe ele sabia onde estavam, mas e os meninos?


Capítulo IV
— Silêncio! — gritou o policial com cara de pugilista, que havia batido em meu quarto na Ilha de Jerba.

Michell Adiva estava na polícia tempo suficiente para sa­ber que estava diante de algo muito sério. Muito mais sé­rio que um simples assalto a turistas - coisa, aliás, raríssima na Tunísia, um país seguro e que tem especial cuidado com seus visitantes.

Tamasheks lutando em acampamentos, deixando vários mortos en­tre si e provocando o sumiço de estrangeiros? Isso não era comum. Pelo contrário. Os tamasheks costumavam lutar contra o governo, não con­sigo mesmos. Como ele iria explicar aquilo à embaixada da Inglaterra? E ainda havia a mulher que não parava de chorar por causa dos filhos: dois garotos que, segundo Adiva tinha apurado, não tinham nada de anjos.

— Calma! — ele gritou novamente, até que todos se calaram. — Bahir, explique novamente o que aconteceu.

— Como já disse, monsieur le commissaire, estávamos acampados com o grupo de sempre. Nós costumamos pagar à tribo para acampar com eles. Após o jantar, cada um foi para sua barraca dormir. Eu fui o úl­timo a me deitar. Só fiz isso depois de conferir que todos estavam bem.

— As pessoas que desapareceram... Você as viu se recolherem?

— Sim, senhor.

A senhora Johnson esboçou uma reação, mas ficou quieta frente ao olhar feroz do comissário.

— Acordei no meio da noite com os gritos de Gladys Johnson, que chamava pelos filhos. Quando saí, vi um de nossos seguranças cair morto, com uma adaga nas costas, dentro da barraca de Lindsay Hill.

— Que é uma das desaparecidas. Continue.

— Bem, quando corri para ajudar a senhora Johnson a encontrar os filhos, vários homens a cavalo atacaram nossos seguranças. Nesse mo­mento, os tamasheks do acampamento se juntaram aos que nos acompanhavam e então começou uma luta violenta. No meio de tudo isso, flechas incendiárias atingiram as barracas, forçando as pessoas a saírem.

— Você viu quem atirou essas flechas, Bahir?

Non, monsieur le commissaire. — respondeu Bahir em seu francês perfeito, o que agradou o policial.

— Muito bem, e depois?

— Bem, enquanto os homens lutavam, reuni as pessoas do grupo. Com a ajuda de Maghrabi, que o senhor conhece bem, conseguimos tirar todas de lá, até que tudo se acalmasse. Só então me dei conta de que algumas tinham sumido.

— Eu avisei que Luke e Bill... — a senhora Johnson começou a reclamar, mas se calou com a expressão do comissário.

O homem recostou-se por um instante em sua cadeira. Maghrabi estava fazendo o que numa expedição de turistas? Se ele estava lá, então a mão de Fahir também estava. E onde havia a mão de Fahir, a mão de Mubharak com certeza estaria presente.

Com este raciocínio ficou claro que tinha acontecido uma luta inter­na dos tamasheks.

Há anos Mubharak tentava impedir que Fahir exercesse qualquer tipo de liderança sobre seu povo, mas seus métodos nem sempre eram os mais éticos. E a influência de Fahir crescia a cada dia, apesar das tentativas do outro para neutralizá-lo.

O comissário vinha tentando conseguir provas contra Mubharak para poder prendê-lo, mas a posição que o homem ocupava e a lealdade de seus seguidores sempre impediam que o policial tivesse sucesso.

Mas por que a luta no meio dos turistas? Era um procedimento contrário à ética de seu povo, e rapto não fazia parte de suas ações.

Havia também o assalto a Jordan Burton e sua mãe... algo que não fazia sentido. Havia dinheiro, jóias e cartões de crédito no quarto deles, no entanto, nada foi levado. E agora, os dois tinham sumido, juntamen­te com a tal Hill e os dois meninos.

— Bahir, há algo mais que queira dizer? Por acaso você viu algumas das pessoas sendo levadas?

Non, monsieur le commissaire. — mentiu o homem.

O policial registrou as queixas, recolheu as fotos dos desaparecidos, entrou em contato com a embaixada e os dispensou, sabendo que teria um longo dia pela frente.

— Você fica. — disse para Bahir. — Quero saber o que Maghrabi estava fazendo num passeio de turistas.

Bahir suspirou. Ainda bem que Fahir havia dado todas as instruções. Ele sempre pensava em tudo. Era um verdadeiro líder, um verda­deiro Príncipe do Deserto.

***

— Você está bem, senhorita Hill? — perguntou Luke Johnson, olhando com ar de curiosidade.

Abri os olhos lentamente, sem entender onde estava. Acima de mim, um teto de lona verde escuro impedia que a luz me ferisse os olhos. Olhei confusa para o menino e, quando tentei me levantar, senti um cheiro de ervas que me nauseou. Meu braço queimava e a dor era insuportável.

Desmaiei e não vi mais nada.



***

— Não é possível! — gritou Nu'man Mubharak, furioso. Seus olhos negros estavam muitos abertos e soltavam faíscas de raiva.

— Os homens de Fahir apareceram e não tivemos como captu­rar o inglês. Vasculhamos a tenda dele, mas nada encontramos. Não pudemos procurar em todas por causa do fogo.

— Fahir queimou as tendas? — espantou-se o homem, aliviando por um instante a expressão de seu rosto.

— Não sei, senhor. Podem ter sido os tamasheks do acampamento... Mas as flechas vieram de fora.

— Fahir não age assim. E o povo daquela tribo é fiel a ele. Precisamos descobrir quem lançou as flechas, Salah.

O homem não respondeu. Sabia que sua vida estava por um fio e que, se Nu'man Mubharak quisesse, ele morreria ali mesmo. Assim era a lei e ele tinha de respeitá-la. Fazia parte de seu juramento de lealdade.

— Há anos você salvou minha vida, Salah. Hoje eu poupo a sua. Minha divida está paga. Que não haja mais erros, ou nada me impedirá de fazê-lo pagar caro por eles.

O homem curvou-se em silêncio.

— O que sabe dos turistas que sumiram?

— Dois meninos... os mesmos que nos surpreenderam no hotel de Jerba... uma jovem chamada Lindsay Hill... além do inglês e sua mãe.

— Há alguma ligação dessa mulher com Fahir?

— Nenhuma, senhor.

Nu'man Mubharak mordeu o lábio, pensativo. Que diabos esta­va acontecendo? Fahir não raptava ninguém, muito menos mulheres e crianças. Nem tampouco incendiava tendas. O rapaz e sua mãe não tinham sido raptados, eram amigos do homem e foram levados com ele.

— Quero que investigue a vida da mulher. E descubra tudo sobre as crianças. Então saberemos como agir.

O homem curvou-se e saiu em silêncio. Sua vida tinha sido pou­pada, mas ele não tinha mais cartas na manga. Da próxima vez, seria morto com certeza. A menos que Fahir triunfasse...

***

A expressão de ódio e frustração no rosto de Nu'man Mubharak era assustadora. Estivera perto dos diamantes e, mais uma, vez eles escorreram por seus dedos!



E, sem os diamantes, que importava a relíquia?

Maldito mestiço, seqüestrador de crianças! Mas aquilo não estava certo. Fahir não fazia aquele tipo de coisas!

"Que os abutres devorem sua carcaça!", pensou furioso.

***

— Isso é inaceitável! — disse o embaixador em seu elegante terno italiano.

— Eu sei, monsieur le embassedeur. — respondeu o comissário, envergonhado.

— O senhor entende que esta situação deve ser resolvida o mais rapidamente possível ou teremos uma questão internacional nas mãos?

— Claro que entendo... e estamos fazendo o possível, mas não encontramos Fahir ou Maghrabi para saber o que houve.

— Não quer minha ajuda? — perguntou um outro homem, que até então apenas observava a conversa.

— Toda ajuda será bem-vinda, monsieur le émissaire. — respondeu o comissário diante da alta autoridade de seu país.

— Pois bem — respondeu o tunisiano —, vamos agir. Já são dois dias e ainda não tivemos uma notícia sequer. Esperemos que Fahir tenha uma boa explicação para o que aconteceu.

— Se o senhor me permite — disse o comissário com ar tímido —, não acredito que algo ruim tenha acontecido com os turistas. Se foi mesmo Fahir quem os levou, tenho certeza de que foi por segurança. Ele não é bandido e nem nunca foi.

O embaixador sorriu e o outro homem olhou com bondade para o comissário:

— Sabemos da amizade que tem por Fahir e de seu esforço para solucionar o problema dos tamasheks. Mas, mesmo que haja uma boa explicação para o que aconteceu, se ela não chegar logo as coisas vão se complicar...

— Eu entendo, monsieur. Estamos fazendo todo o possível e, com sua ajuda, este caso logo estará resolvido.

— É bom mesmo, comissário, ou a embaixada inglesa será forçada a agir. — afirmou o embaixador, terminando a conversa.
Acordei na manhã do terceiro dia após a confusão no acampamen­to. Desta vez me sentia bem e o braço não doía tanto. Vi que não estava mais numa tenda, mas em um quarto amplo, com tapeçarias nas pare­des e no chão. Algumas paredes eram revestidas de seda adamascada em tons de rosa esmaecido e os móveis eram todos trabalhados em interessantes motivos orientais.

"Que hotel será esse?", pensei, enquanto abria a porta de vidro que dava para uma sacada.

Surpresa, lá fora não vi nem cidade ou qualquer coisa que pudesse lembrar um hotel. A sacada abria para um pátio grande e quadrado, cercado por muros muito altos e pintados no mesmo tom das areias que se estendiam para além deles.

O jardim abaixo estava florido e muito bem cuidado, com diversas tamareiras e algumas fontes, cujas águas cristalinas ajudavam a refrescar o calor escaldante da região.

Que lugar era aquele? O que havia acontecido no acampamento? Onde estavam todos? Olhei para o tecido amarrado em meu braço esquerdo e na mesma hora me lembrei do homem com a espada, do fogo... e me lembrei dele... O homem dos olhos inesquecíveis que fa­ziam meu corpo tremer.

— Sente-se melhor? — perguntou uma voz conhecida, logo atrás de mim.

— Jordan! — Corri e o abracei sem me dar conta do que fazia.

— Calma, Lind. Desse jeito, vou achar que você não conseguiu mais resistir ao meu charme. — brincou ele, retribuindo o abraço.

— Que aconteceu? Que lugar é este? Quem era aquela gente no acampamento?

— Ei, uma coisa de cada vez! — disse Jordan com um sorriso, levando-me de volta para cama e sentando-se a meu lado. — Como está se sentindo?

— Bem... acho. O braço quase não dói mais. Aliás, o que houve com ele?

— Você teve muita sorte, menina. O guerreiro que a atacou visava seu coração, mas, por algum motivo que só posso creditar ao Homem lá em cima, ele errou e acertou seu braço. Mesmo assim, foi um feri­mento sério e você perdeu muito sangue. Não fosse por Christopher...

Olhei espantada para ele:

— Cadê seus óculos? — perguntei, numa conversa totalmente fora de contexto.

— Não preciso deles aqui. E depois, as lentes são só de vidro, sem grau nenhum. Minha visão é perfeita.

— Quem é Christopher?

— Um amigo... colega de Oxford. E também o homem que te salvou. Ele é um verdadeiro herói para seu povo.

Olhei desconfiada, achando que o sol forte havia cozinhado de vez os miolos de Jordan.

— Por que... Por que alguém ia querer me matar?

— Alguma coisa a ver com a pintura no seu rosto. Você não tirou quando foi se deitar e, pelo jeito, foi confundida com outra pessoa. Pelo menos, foi o que Chris falou.

— Onde estamos? — perguntei, tentando arrancar alguma informação que fizesse sentido.

— Em algum lugar do Saara. Viemos para cá vendados, por motivo de segurança.

— Segurança? Como assim...? — minha voz começou a adquirir um tom exasperado.

Ele me olhou como se estivesse disposto a contar, mas foi interrompido pela Sra. Burton.

— Querida! Estávamos tão preocupados! Principalmente Jordan e Fahir! Que bom que acordou. Você está bem?

Olhei para ela e fiz que sim com a cabeça.

— Neste caso, vista-se e vamos lá para baixo. Este lugar é um encanto, um verdadeiro palácio das Arábias! Os garotos estão adoran­do! E Fahir está adorando nos ter por perto. Coitado... sempre cercado de tantos problemas e preocupações!

— Mas quem é esse Fahir, afinal?

— Um amigo que teve a honra de salvar-lhe a vida. — respondeu o homem que entrou no quarto. Era alto e forte, vestido de negro, usando o véu azul que deixava apenas seus olhos à mostra: duas imensidões azuis, com reflexos verdes, que me tocaram a alma desde a primeira vez que os vi.

Olhei para ele enquanto se aproximava e senti toda a masculinidade de seu andar, de seus movimentos.

— Como se sente? — perguntou com voz suave.

— Bem... — balbuciei, aturdida por sua presença.

— Fico feliz em saber. Jordan estava preocupado, achando que você não estava sendo cuidada como deveria.

— Acho que devo a você um duplo agradecimento. — falei, levantando-me e estendendo a mão. — Primeiro, por aquele dia na Medina, e agora, por ter salvo minha vida no acampamento. Muito obrigada mesmo...

— Dizem que quando salvamos a vida de alguém, essa vida passa a ser responsabilidade nossa. — ele respondeu com uma voz séria, que achei muito sedutora. Eu sorri sem saber o que responder. Confesso que achei muito agradável saber que minha vida tinha virado respon­sabilidade dele.

— Muito obrigada... — repeti. Para minha surpresa, ele soltou o véu e mostrou seu rosto perfeito, onde um sorriso sincero aliviava seus traços firmes e masculinos. "O rosto de um príncipe!" era o único pensamento que me ocorria.

— Quem é você? — perguntei, e só então percebi que Jordan e a mãe haviam sumido.

— Christopher Fahir Tabhet Lowell, a seu dispor.

— É inglês? — perguntei, espantada pela perfeição com que falava minha língua.

— Meu pai era inglês, minha mãe tamashek, nascida no Egito. Mas estudei na Inglaterra até me formar. Foi onde conheci seu namorado.

Meu o quê?! De onde ele tinha tirado a idéia de que... Jordan! Ele ia ver!

— Se está melhor, acho que gostaria de ver seus filhos. — ele com­pletou, levantando-se e cortando o clima do momento.

— Meus filhos?! — perguntei sem entender.

— Bill e Luke. Eles são ótimos. Muito inteligentes, muito espertos. E estão adorando aprender a lutar. — respondeu Fahir, já saindo do quarto antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Já não bastava ele achar que eu era namorada de Jordan, ainda pensava que eu era mãe daqueles dois pestinhas?

Dei um suspiro e voltei a deitar, pensando naquele monumento de homem. Christopher Fahir. Que nome perfeito para um Senhor do Deserto! Ele era tudo o que eu imaginava de um príncipe das areias, e ainda tinha impressionantes olhos azuis...
Capítulo V
— Os meninos estão bem, madame Johnson. — comunicou o policial à mulher, cujos olhos pareciam dois tomates de tanto chorar.

— Meus anjinhos! Meus dois anjinhos! — disse ela, agarrando-se à foto que o comissário exibia.

— Recebemos essa fotografia e uma mensagem de que as crianças, os Jordan e a senhorita Hill estão ótimos. Foram resgatados por uma patrulha do deserto. Parece que se perderam durante a confusão no acampamento, mas logo estarão aqui.

Ela olhou para o homem e se atirou nos braços dele, deixando o policial todo sem jeito.

— Muito obrigada! O senhor é um santo! — e voltou a chorar.

"Ah, mães", pensou o comissário. "A mensagem de Maghrabi disse que os garotos estavam dando mais trabalho que todos os homens de Nu'man Mubharak juntos, mas para a mãe os dois eram doces anjinhos celestiais."

Afastando delicadamente a mulher, que ensopava seu uniforme de lágrimas, perguntou:

— O pai dos meninos, monsieur Johnson, não vem?

— Eu sou viúva. — respondeu ela, fungando e agradecendo o lenço que o policial lhe entregou. — O pai faleceu quando o mais novo, Bill, ainda era bebê.

— Eu sinto muito, madame.

— Está tudo bem... Esta é a primeira viagem que faço com eles para fora do país. Os dois estavam tão felizes! Ah, meus anjinhos... — e desatou a chorar de novo, sendo amparada pelo policial.

***

— Sr. embaixador? — chamou o jovem assistente Jimmy pela porta entreaberta.

— Entre. O que foi?

— Notícia dos ingleses desaparecidos. Estão todos bem... Devem retornar em alguns dias.

— Mais alguma coisa?

— Esta mensagem, senhor. Foi entregue esta tarde na embaixada. É pessoal e está lacrada. O mensageiro disse que veio de alguém chamado Fahir.

— Obrigado, Jimmy. Pode sair.

O rapaz se retirou e o envelope foi aberto. O diplomata leu as palavras de Fahir até o final e franziu a testa, preocupado. A mesma mensagem havia sido enviada para o emissário do governo tunisiano. O embaixador sabia que seu telefone não demoraria a tocar.



***

— Esse lugar é legal pra caramba, né? — perguntou Bill, todo sujo de areia, com o rosto corado de correr para cima e para baixo.

— Divino! — sorriu a Sra. Burton.

— Vou pedir pro Fahir deixar a gente ficar aqui!

— Sua mãe deve estar desesperada! — repreendi o menino. — Fahir nunca vai permitir que vocês fiquem.

— Por que não? Ele acha que você é nossa mãe! A gente que falou isso pra ele. — disse o garoto, com sorriso maroto, e correu para encon­trar o irmão.

Cerrei os dentes com raiva, mas Faith me tranqüilizou:

— Não se preocupe, meu bem. Fahir sabe que é mentira deles. A mãe já foi notificada de que estão bem. E depois, todos nós estaremos em Túnis dentro de poucos dias.

— Estaremos? — perguntei surpresa. Eu não queria ir embora dali.

— Sim. Só não partimos ainda porque Fahir não quer arriscar nossa segurança e nem a dele, é claro.

Estávamos numa espécie de varanda, no meio do pátio ajardinado. O som da água correndo na fonte e o perfume que as flores espalhavam conferiam uma atmosfera de paraíso ao lugar.

— O que é tudo isto, Sra. Burton? — perguntei, apontando para aquele cenário maravilhoso.

— Parece algum tipo de quartel-general ou algo do gênero. Atrás deste prédio, que serve de residência para Fahir, há outros onde fun­cionam escolas e oficinas de serviço. Há também um campo de treinos mais adiante.

— Por acaso Fahir... é guerrilheiro? — estranhei.

Ela riu da minha ignorância.

— Fahir é um guerreiro, meu bem, não um guerrilheiro. Ele traz para cá jovens de seu povo que vivem perdidos nas cidades. Aqui eles aprendem as tradições, têm formação profissional e aulas normais tam­bém. Aprender a ler, escrever... estas coisas.

— Mas a senhora mencionou um campo de treinos...

— Sim... Treinos de espada, tiro ao alvo e muito mais.

— Mas... ele está se preparando para uma guerra?

— Ele se prepara para defender-se de qualquer ataque. Em um mundo perfeito, querida, tudo se resolveria apenas pela força da pa­lavra, mas nosso mundo está muito longe de ser perfeito. Não só isso, aqui é o deserto. A lei e os costumes são diferentes...

Muito diferentes, e eu sabia o quanto. Passei a vida lendo sobre aqueles povos, sobre seus costumes e leis. Só nunca tinha imaginado que algum dia veria tudo isso tão de perto.

— Mas quem é Fahir na verdade?

— Esta é uma longa história —respondeu a Sra. Burton com um suspi­ro — e eu não a conheço toda. O que sei é que grande parte dos tamasheks vêem Fahir como uma espécie de herói ou salvador. Alguém capaz de lhes devolver a terra que a colonização e a independência dos países tirou.

Em silêncio me lembrei de tudo que havia lido sobre os nômades e a dificuldade que tiveram para se adaptar aos novos regimes políticos, que desrespeitaram seu modo de vida e os expulsaram das areias que lhes serviam de pátria.

— E como ele vai conseguir isso? Quero dizer, como pretende reintegrar a cultura e a vida de seu povo?

— Nem imagino. Mas sei que Fahir é um grande homem. Honrado, bondoso e muito justo. E também muito rico e poderoso. Tem amiza­des em altas esferas e bons contatos políticos. Sua palavra é bastante respeitada.

— A senhora sabe quem nos atacou no acampamento?

— Quem eu não sei... mas sei o porquê. Porém, acho que o próprio Fahir vai querer contar esta história.

Senti a brisa quente do deserto mexer meus cabelos, e uma fisga­da em meu braço me lembrou de que eu ainda não estava totalmente recuperada.

— Quem cuidou de mim? — perguntei.

— Uma mulher a quem chamam de Samirtra, a Cega. Ela e o pró­prio Fahir. Parece que tentaram matá-la por causa da pintura que os nômades fizeram em seu rosto aquela noite. Os desenhos indicavam que você era alguém especial.

— Eu?! — perguntei mais confusa ainda.

— Também não entendi, mas parece que tem a ver com uma profe­cia... e com os diamantes, é claro.

— Que diamantes??? — eu estava cada vez mais perdida.

— Mamãe! — chamou Jordan com um tom de voz que parecia uma advertência.

— Olá, querido. Onde estava? Está todo suado.

— Lá fora, com os meninos. Não sei de onde eles tiram tanta energia! Como está, Lind? Comeu alguma coisa?

— Eu estou ótima... e quero ter uma conversinha com você, Jordan Burton.

Ele me olhou assustado.

— Que idéia foi essa de dizer que somos namorados?

— Ah, isso? — respondeu aliviado. — Foi uma brincadeira com o Chris. Ele estava preocupado demais com você.

— É mesmo? — perguntei, sarcástica, feliz de saber que Fahir se preocupou comigo. — E onde ele está?

— O Chris? Sei lá. Sumiu pelas dunas logo depois que você acor­dou. Deve voltar à noite.

Olhei para ele mais séria ainda:

— Sua mãe me falou de alguns diamantes. Eu quero saber o que está acontecendo. AGORA!

Ele lançou um olhar de esguelha para a mãe.

— Depois falamos sobre isso. Agora tem gente querendo conversar com você...

Atrás de mim, surgiu uma linda jovem de pele morena e cabelos trançados. Ela me deu um sorriso quando olhei.

— Srta. Hill, pode me acompanhar, por favor? Samirtra quer vê-la. — disse com inglês carregado de sotaque.

— Vá com ela, querida. — pediu a Sra. Burton.

Segui a moça, esperando que a tal Samirtra pudesse me explicar alguma coisa. O pouco que eu sabia não fazia sentido algum em minha cabeça.

Entrei numa sala com pouca iluminação, onde a luz do sol só entra­va pelos desenhos vazados da parede. Estranhamente, porém, o ar ali era mais fresco que no resto da casa.

A moça que me acompanhava pediu que eu me sentasse no chão e perguntou se eu falava francês. Eu disse que sim e ela sorriu.

— Neste caso, talvez minha presença não seja tão necessária.

Assim que a jovem sentou-se, ela entrou. Alta. Muito alta. Os cabelos longos finamente trançados, o andar seguro e a pele, clara como a minha, estava cheia de rugas que denotavam sua idade avançada.

Caminhou ereta e altiva, até sentar-se à minha frente. Foi então que vi seus olhos: dois globos branco-azulados, que me causaram uma impressão estranha. Ela era cega, mas caminhava com uma desenvoltura impressionante.

Mesmo que alguém tivesse descrito a mulher com quem eu iria con­versar, nada poderia me preparar para o impacto que sua presença me causou.

— Como vai, A'ishah? O braço ainda dói? — sua voz era de uma suavidade impressionante, mas exalava uma força assustadora. E seu francês era perfeito.

— Estou bem. Graças à senhora...

Ela sorriu.

— Sabe quem sou eu?

— A Sra. Burton disse que cuidou de mim e...

— Sou Samirtra. Embora meus olhos não possam ver seu rosto, eles vêem seu coração e seus sentimentos. E posso sentir em sua voz que você está assustada e cheia de dúvidas.

"Finalmente, alguém com um pouco de bom senso!", pensei.

— Me dê suas mãos, A'ishah. — ela pediu com um sorriso delicado.

Obedeci e seus dedos começaram a percorrer a palma de minha mão, depois meus dedos, depois meu pulso.

— É uma bela jovem. Tem saúde, vitalidade e coragem. Possui mãos habilidosas, mãos que restauram formas.

Olhei surpresa para seus olhos cegos. Como ela podia saber o que eu fazia? Será que Jordan tinha falado?

Sua risada soou melodiosa.

— Fahir não poderia escapar, mesmo que quisesse, não é? E nem você. A sabedoria do Altíssimo sempre me surpreende. — ela comple­tou, lançando mais mistérios no ar.

— Não estou entendendo, senhora...

— Samirtra. Me chame de Samirtra, A'ishah.

— Meu nome é Lindsay. — falei com suavidade.

Ela sorriu de novo.

— Seu nome é A'ishah, a esposa, a prometida. Por isso eu quis vê-la. Você não veio a nós por acaso. Nada acontece por acaso no universo. Como alguém já disse, nem uma folha cai ao chão se não for pela von­tade do Altíssimo.

— Mas ainda não entendo...

— Fahir é um homem predestinado, A'ishah. Nasceu com sua história escrita, mais do que a maioria dos homens. Cresceu digno e honrado, e segue as tradições com respeito. Ama o povo tamashek e por ele daria sua vida. É de Fahir a missão de preparar aquele que o substituirá, para que quando chegar a hora, esse novo guerreiro devol­va ao nosso povo o lugar que lhe é de direito.

Eu ouvia tudo com atenção, fascinada pela sabedoria que emanava daquela mulher.

— Há muitos anos, Fahir era como você. Pairava entre dois mundos, sem se decidir em qual deles queria viver. Um tolo, um graveto levado pela correnteza da vida. Mas, por fim, seu coração falou mais alto e ele resolveu seguir seu destino. Agora chegou a sua vez.

Eu continuava sem entender nada.

— Seu grupo poderá partir dentro de três dias, quando as estre­las dizem que será seguro. Até então, você terá que decidir se quer continuar sendo Lindsay Hill, a moça inglesa, ou A'ishah, a esposa do profeta.

— E como vou saber o que decidir? — perguntei, aflita.

A cega riu.

— Você fala como Fahir. E vou lhe dar a resposta que dei a ele: confie em seu coração. Há algo mais que deseja me perguntar?

— Claro! Tantas coisas... Por que fomos atacados? Por que Fahir me salvou? O que os Burton estão escondendo...

— Aos poucos, tudo lhe será revelado. Fahir dirá o que pode dizer e eu direi aquilo que ele não pode. Eu lhe direi como ser A'ishah, a mulher que nos salvará a todos.

Olhei para ela espantada.

— Venha. Quero que veja algumas coisas.

Samirtra ergueu-se. Eu e a moça atrás de mim fizemos o mesmo.

Seguimos seus passos e passamos por uma entrada lateral da sala, até alcançar um aposento magnífico, recoberto de sedas coloridas, de tons fortes e quentes como o próprio deserto. Não havia camas, só almofadas, e o lugar tinha aroma de sândalo.

Fiquei com a mulher o resto do dia. Ela me ensinou sobre as tradições das mulheres do deserto, lições que se repetiram nos dias seguintes. Sem perceber, tomada pelo fascínio, entreguei minha alma de vez à magia e sedução daquele lugar.


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