Sífilis: Diagnóstico, tratamento e controle
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An Bras Dermatol. 2006;81(2):111-26.
Lesões residuais hipocrômicas “colar de Vênus”
na região cervical e lesões anetodérmicas principal-
mente no tronco podem suceder as lesões do secun-
darismo.
19-21,23
A fase secundária evolui no primeiro e segundo
ano da doença com novos surtos que regridem
espontaneamente entremeados por períodos de
latência cada vez mais duradouros. Por fim, os surtos
desaparecem, e um grande período de latência se
estabelece. Os estudos que acompanharam a evolu-
ção natural da sífilis mostraram que um terço dos
pacientes obtém a cura clínica e sorológica, outro
terço evoluirá sem sintomatologia, mas mantendo as
provas sorológicas não treponêmicas positivas. E,
num último grupo, a doença voltaria a se manifestar
(sífilis terciária).
24,25
SÍFILIS TERCIÁRIA
Os pacientes nessa fase desenvolvem lesões loca-
lizadas envolvendo pele e mucosas, sistema cardiovas-
cular e nervoso. Em geral a característica das lesões ter-
ciárias é a formação de granulomas destrutivos (gomas)
e ausência quase total de treponemas. Podem estar aco-
metidos ainda ossos, músculos e fígado.
No tegumento, as lesões são nódulos, tubércu-
los, placas nódulo-ulceradas ou tuberocircinadas e
gomas.
As lesões são solitárias ou em pequeno núme-
ro, assimétricas, endurecidas com pouca inflamação,
bordas bem marcadas, policíclicas ou formando seg-
mentos de círculos (Figura 8) destrutivas, tendência à
cura central com extensão periférica, formação de
cicatrizes e hiperpigmentação periférica. Na língua, o
acometimento é insidioso e indolor, com espessa-
mento e endurecimento do órgão. Lesões gomosas
podem invadir e perfurar o palato e destruir a base
óssea do septo nasal. “Cancro
redux” é a presença de
goma no local do cancro de inoculação, e “pseudo-
cancro
redux”, uma goma solitária localizada no
pênis.
19-21,23
SÍFILIS CARDIOVASCULAR
Os sintomas geralmente se desenvolvem entre
10 a 30 anos após a infecção inicial. O acometimento
cardiovascular mais comum é a aortite (70%), princi-
palmente aorta ascendente, e na maioria dos casos é
assintomática. As principais complicações da aortite
são o aneurisma, a insuficiência da válvula aórtica e a
estenose do óstio da coronária. O diagnóstico pode
ser suspeitado pela radiografia de tórax evidenciando
F
IGURA
6: Sífilis “bonita”
F
IGURA
7: Sífilis maligna precoce
F
IGURA
8:
Sífilis ter-
ciária
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Avelleira JCR, Bottino G.
An Bras Dermatol. 2006;81(2):111-26.
calcificações lineares na parede da aorta ascendente e
dilatação da aorta.
19,20,26
NEUROSSÍFILIS
A invasão das meninges pelo treponema é pre-
coce, de 12 a 18 meses após a infecção, mas desapa-
rece em 70% dos casos sem tratamento. Quando a
infecção persiste, estabele-se o quadro de neurossífi-
lis, que pode ser assintomática ou sintomática.
A neurossifilis assintomática é definida como a
presença de anormalidades do LCR na ausência de
sinais ou sintomas neurológicos. Poderá nunca se
manifestar ou evoluir para uma das complicações
neurológicas mais tardias do período terciário. As
complicações mais precoces são as meningéias agu-
das, que podem acontecer no período secundário,
principalmente em pacientes infectados pelo HIV,
com a sintomatologia meningéia clássica. Nos qua-
dros meningovasculares, a neurossífilis se apresenta
como encefalite difusa com sinais focais, parecendo
acidente vascular cerebral.
Mais tardia é a neurossífilis parenquimatosa,
que pode apresentar-se como uma paralisia geral pro-
gressiva ou progredir para a
tabes dorsalis. E, por
último, um quadro de neurossífilis gomosa com sin-
tomatologia localizada e semelhante à dos tumores
cerebrais ou medulares.
19,20,27
SÍFILIS CONGÊNITA
A sífilis congênita é o resultado da dissemina-
ção hematogênica
T. pallidum da gestante infectada
não tratada ou inadequadamente tratada para o con-
cepto por via transplacentária (transmissão vertical).
A infecção do embrião pode ocorrer em qualquer fase
gestacional ou estágio da doença materna. Os princi-
pais fatores que determinam a probabilidade de
transmissão são o estágio da sífilis na mãe e a duração
da exposição do feto no útero. Portanto, a transmis-
são será maior nas fases iniciais da doença, quando há
mais espiroquetas na circulação. A taxa de transmis-
são é de 70-100% nas fases primária e secundária,
40% na fase latente recente e 10% na latente tardia.
13
A contaminação do feto pode ocasionar aborta-
mento, óbito fetal e morte neonatal em 40% dos con-
ceptos infectados ou o nascimento de crianças com
sífilis. Aproximadamente 50% das crianças infectadas
estão assintomáticas ao nascimento. Há possibilidade
de transmissão direta do
T. pallidum pelo contato da
recém-nato com lesões genitais maternas no canal de
parto.
O diagnóstico da sífilis congênita depende da
combinação dos critérios clínico, sorológico, radio-
gráfico e da microscopia direta. Entretanto, o MS nor-
matizou a definição sobre caso (Quadro 1).
Quando a sífilis se manifesta antes dos dois pri-
meiros anos de vida, é chamada sífilis congênita preco-
ce e, após os dois anos, de sífilis congênita tardia.
As lesões cutâneo-mucosas da sífilis congênita
precoce podem estar presentes desde o nascimento,
e as mais comuns são exantema maculoso na face e
extremidades, lesões bolhosas, condiloma
latum, fis-
suras periorais e anais. A mucosa nasal apresenta rini-
te mucossangüinolenta.
Nos outros órgãos observa-se hepatoespleno-
megalia, linfadenopatia, osteocondrite, periostite ou
osteíte, anemia, hidropsia fetal.
Na sífilis congênita tardia as lesões são irrever-
síveis, e as que mais se destacam são fronte olímpica,
palato em ogiva, rágades periorais, tíbia em sabre,
dentes de Hutchinson e molares em formato de
amora. E ainda ceratite, surdez e retardo mental.
Em todos os recém-nascidos que se enqua-
drem na definição de caso recomenda-se realizar
exame do líquor.
13
Radiografias de ossos longos são importantes
porque existem casos de RN infectados assintomáti-
cos cuja única alteração é o achado radiográfico.
13,16,19
SÍFILIS E HIV
As interações entre a sífilis e o vírus HIV iniciam-
se pelo fato de que ambas as doenças são transmitidas
principalmente pela via sexual e aumentam sua
importância porque lesões genitais ulceradas aumen-
tam o risco de contrair e transmitir o vírus HIV.
28,29
Nos Estados Unidos, análises de estudos sobre
a soroprevalência da sífilis em pacientes HIV-positivos
encontraram positividade de 27,5% no sexo masculi-
no e de 12,4% no feminino.
30
A sífilis nos pacientes infectados pelo HIV, não
apresenta comportamento oportunista, mas possui
características clínicas menos usuais e acometimento
do sistema nervoso mais freqüente e precoce.
Na sífilis primária a presença de múltiplos can-
cros é mais comum, bem como a permanência da
lesão de inoculação que pode ser encontrada em con-
junto com as lesões da sífilis secundária.
31-33
Lesões ostráceas e ulceradas da sífilis maligna
precoce foram descritas mais freqüentemente
31,34,35
e
também acometimento ocular e oral.
36
Na maioria dos pacientes infectados com o vírus
HIV os testes sorológicos apresentam-se dentro dos
padrões encontrados nos pacientes não infectados.
Entretanto, resultados atípicos podem ocorrer. A titula-
ção poderá ser muito alta ou muito baixa; flutuações
no resultado de exames consecutivos e falsa-negativi-
dade poderão dificultar o diagnóstico laboratorial.
35,37
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
O diagnóstico laboratorial da sífilis e a escolha
dos exames laboratoriais mais adequados deverão
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