Conflito de interesse declarado: Nenhum
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Doutor em medicina, Professor-associado do Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay. Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro - Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.
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Médica, pós-graduanda do Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay. Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
©2006
by Anais Brasileiros de Dermatologia
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An Bras Dermatol. 2006;81(2):111-26.
Educação Médica Continuada
Resumo: A sífilis é doença infecto-contagiosa, transmitida pela via sexual e verticalmente
durante a gestação. Caracteriza-se por períodos de atividade e latência; pelo acometimento
sistêmico disseminado e pela evolução para complicações graves em parte dos pacientes que
não trataram ou que foram tratados inadequadamente. É conhecida desde o século XV, e seu
estudo ocupou todas as especialidades médicas e, de modo especial, a dermatologia. Seu
agente etiológico, o
Treponema pallidum, nunca foi cultivado e, apesar de descrito há mais
de 100 anos e sendo tratado desde 1943 pela penicilina, sua droga mais eficaz, continua como
um problema de saúde importante em países desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Dadas as
características da forma de transmissão, a doença acompanhou as mudanças comportamen-
tais da sociedade e nos últimos anos tornou-se mais importante ainda devido à possibilidade
de aumentar o risco de transmissão da síndrome de imunodeficiência adquirida. Novos testes
laboratoriais e medidas de controle principalmente voltadas para o tratamento adequado do
paciente e parceiro, uso de preservativo, informação à população fazem parte das medidas
adotadas para controle da sífilis pelos responsáveis por programas de saúde.
Palavras-chave: Doenças sexualmente transmissíveis; Infecções por treponema; Sífilis con-
gênita;
Treponema pallidum
Abstract: Syphilis is an infectious disease transmitted through sex or vertically during preg-
nancy. It is characterized by periods of activity and latency, disseminated systemic involve-
ment, and progression to acute complications in patients that remain untreated or have
been inadequately treated. Syphilis is known since the 15th century and studied by all medi-
cal specialties, particularly by Dermatology. The etiologic agent Treponema pallidum has
never been cultured and was described over 100 years ago. The disease has been effectively
treated with penicillin since 1943, but it remains an important health problem in developed
and developing countries. Given its transmission characteristics, the condition has accom-
panied the behavioral changes in society in recent years and has become even more impor-
tant due to the possibility of increasing the risk of transmitting acquired immunodeficien-
cy syndrome. New laboratory tests and methods of control aimed at appropriate treatment
of patients and their partners, use of condoms, and dissemination of information to the
population comprise some measures to control syphilis adopted by health program orga-
nizers.
Keywords: Sexually transmitted diseases; Syphilis, congenital; Treponemal infections;
Treponema pallidum
Sífilis: diagnóstico, tratamento e controle
Syphilis: diagnosis, treatment and control
João Carlos Regazzi Avelleira
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Giuliana Bottino
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Avelleira JCR, Bottino G.
An Bras Dermatol. 2006;81(2):111-26.
INTRODUÇÃO
A sífilis é doença infecciosa crônica, que desa-
fia há séculos a humanidade. Acomete praticamente
todos os órgão e sistemas, e, apesar de ter tratamen-
to eficaz e de baixo custo, vem-se mantendo como
problema de saúde pública até os dias atuais.
Tornou-se conhecida na Europa no final do
século XV, e sua rápida disseminação por todo o con-
tinente transformou-a em uma das principais pragas
mundiais. A riqueza do acometimento da pele e das
mucosas associou-a fortemente à dermatologia
(Figura 1).
Duas teorias foram elaboradas na tentativa de
explicar sua origem. Na primeira, chamada de
colombiana, a sífilis seria endêmica no Novo Mundo
e teria sido introduzida na Europa pelos marinhei-
ros espanhóis que haviam participado da descoberta
da América. Outros acreditavam que a sífilis seria
proveniente de mutações e adaptações sofridas por
espécies de treponemas endêmicos do continente
africano.
1
A sinonímia da doença refletia a beligerante
situação sociopolítica da Europa, atribuindo sempre à
doença uma adjetivação que a identificava com outro
povo ou nação. Mal espanhol, mal italiano, mal fran-
cês foram utilizados até que o nome sífilis, derivado
de um poema de Hieronymus Fracastorius, sedimen-
tou-se como o principal.
Era preocupante o crescimento da endemia
sifilítica no século XIX. Em contrapartida a medicina
se desenvolvia, e a síntese das primeiras drogas torna-
va-se realidade. O maior impacto talvez tenha sido a
introdução da penicilina que, por sua eficácia, fez
com que muitos pensassem que a doença estivesse
controlada, resultando na diminuição do interesse
por seu estudo e controle.
Em 1960, mudanças na sociedade em relação
ao comportamento sexual e o advento da pílula anti-
concepcional fizeram que o número de casos nova-
mente aumentasse. No final dos anos 70, com o apa-
recimento da síndrome da imunodeficiência adquiri-
da (Aids), houve um redimensionamento das doenças
sexualmente transmissíveis. O papel da sífilis como
fator facilitador na transmissão do vírus HIV ocasiona-
ria novo interesse pela sífilis e a necessidade de estra-
tégias para seu controle.
EPIDEMIOLOGIA
A OMS estima em 340 milhões o número de
casos novos de DST curáveis (sífilis, gonorréia, clamí-
dia, tricomoníase).
Os dados da prevalência nos trópicos mostram
que a sífilis, conforme a região, é a segunda ou tercei-
ra causa de úlcera genital (outras são o cancro mole e
herpes genital).
2
Houve recrudescimento da sífilis na
Irlanda,
3
Alemanha
4
e cidades americanas, como San
Francisco e Los Angeles, em grupos com comporta-
mento de risco, como homens que fazem sexo com
homens (HSH) e profissionais do sexo.
5-8
Nos Estados Unidos, em 2004 houve aumento
de 11,2% dos casos de sífilis primária, que passaram
de 7.177 em 2003 para 7.980.
9
Em relação à sífilis congênita, os dados obtidos
em programas de pré-natal e maternidades mostra-
ram soroprevalências elevadas, principalmente em
países africanos.
10-12
No Brasil, em 2003, estimaram-se 843 300
casos de sífilis. Não sendo doença de notificação com-
pulsória, os estudos epidemiológicos são realizados
em serviços que atendem DST ou grupos seleciona-
dos, como gestantes, soldados, prisioneiros, etc.
13-15
Os casos registrados de sífilis congênita entre 1998 e
2004 totalizaram 24.448.
13,16,17
O AGENTE ETIOLÓGICO
A sífilis é causada por uma bactéria chamada
Treponema pallidum, gênero
Treponema, da família
dos
Treponemataceae, que inclui ainda dois outros
gêneros:
Leptospira e
Borrelia. O gênero possui qua-
tro espécies patogênicas e pelo menos seis não pato-
gênicas. As patogênicas são o
Treponema pallidum
subsp pallidum, causador da sífilis, o Treponema
carateum, responsável pela pinta, e o Treponema
pertenue, agente da bouba ou framboesia. O bejel ou
sífilis endêmica é atribuído à variante
T. pallidum
subsp endemicum.
O
T. pallidum tem forma de espiral (10 a 20
voltas), com cerca de 5-20
μm de comprimento e ape-
F
IGURA
1:
Anais
Brasileiros
de Dermato-
logia e
Sifilografia
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