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É curioso notar que estes dois relevantes teóricos, inclinando-se a estudar os efeitos, as
relações e o controle sobre o imaginário se assemelham inclusive em possíveis contradições
existentes em seus raciocínios, o que, a meu modo de ver, reflete-se principalmente no que
toca à questão do imaginário como condição inerente a faculdades humanas. Costa Lima,
voltado mais especificamente aos atos de controle, minimiza a importância, por exemplo, de
teorias que vinculam a capacidade humana de imaginar a funções físicas básicas de
sobrevivência ou a partes “arcaicas” do cérebro (Cf. LIMA, 2007, p. 168). Ao mesmo passo,
contraditoriamente, traz exemplos nos quais o controle exercido sobre o imaginário
encontrava sua “justificativa” na associação deste mesmo imaginário a divagações mentais,
algo que o tornavam desde inimigo da Razão a partícipe na fratura humana entre a capacidade
positiva de alcançar representações exatas e a negativa de sofrer paixões e criar imagens,
limites estes demonstrados por Descartes e até mesmo pela Ilustração. Ainda que não se ateste
aqui uma abordagem sua acerca do tema, pode-se verificar a proximidade de uma
historicização do termo.
E se em Luiz Costa Lima a vinculação do imaginário às faculdades humanas passa
pelas ramas filosóficas, em Wolfgang Iser o questionamento a tal vínculo parece contradizer-
se quando este eleva suas abordagens a correspondências com a psicologia. Nelas talvez
esteja a dicotomia de seu texto, pois, ao mesmo tempo em que questiona o imaginário como
produto de uma faculdade humana, Iser dialoga com a psicologia e a psicanálise como parte
do embasamento teórico que utiliza no aprofundamento de sua argumentação. Apoio-me,
então, em um desses “deslizes” para reafirmar minha opinião de que o imaginário passa de
fato por vias das faculdades humanas, apoiando-me para tanto no próprio Iser, quando ele
escreve que
o imaginário é por nós experimentado antes de modo difuso, informe, fluido e sem
um objeto de referência. Ele se manifesta em situações inesperadas e daí que de
advento arbitrário, situações que ou se interrompem ou prosseguem noutras bem
diversas (ISER, 1983, p.386).
Temos, pois, no fragmento acima a explanação iseriana sobre o modo como
experimentamos o imaginário; sua característica difusa, informe, fluida, sem referencialidade
só pode assim ser colocada se pensamos seu principal ponto de impacto no receptor: a mente,
sua psique, as sensações (advindas de suas faculdades humanas, faculdades mentais) que nele
despertam as situações inesperadas de que pode surgir num dado momento o imaginário, ou
imaginários. Porém, para ainda uma melhor compreensão de que o imaginário passa pelas
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vias de sensações e faculdades humanas, proponho uma espécie de exercício de imaginação,
com a participação de um convidado ilustre: Octavio Paz Lozano.
A figura de Octavio Paz é central no presente trabalho devido, primeiro, ao encontro
de suas convicções com as de Samuel Ramos, outro grande pensador da identidade mexicana;
e, depois, devido à influência de ambos sobre muitos dos temas levantados pela escrita de
Carlos Fuentes
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, um dos “carros-chefes” da pesquisa que ora se materializa. Dentre tais
temas em que os três coincidem, está o da mexicanidade frente à alteridade ianque, anglo,
norte-americana, estadunidense. Destaca-se, ainda, o registro da leitura e apreço ao clássico
livro de ensaios pazianos El laberinto de la soledad, expressado em carta enviada por Tomás
Rivera (junto com um exemplar de seu ...y no se lo tragó la tierra) a Paz em 1972
37
.
Referências apresentadas, tornemos enfim ao exercício em que viso aprofundar ainda
mais a ligação do imaginário com faculdades mentais.
Para tanto, interessa-me trazer à luz
uma “imagem” imersa no cenário de conflitos identitários de que tratam meus argumentos.
Evocada em seu El Laberinto de la soledad, nessa imagem é o próprio Octávio Paz quem
“participa” da “cena”, mesclando-se ao imaginário do qual passa a formar parte quase como
um personagem:
Al iniciar mi vida en los Estados Unidos residí algún tiempo en Los Ángeles, ciudad
habitada por más de un millón de personas de origen mexicano. A primera vista
sorprende al viajero – además de la pureza del cielo y de la fealdad de las dispersas y
ostentosas construcciones – la atmósfera vagamente mexicana de la ciudad (…).
Esta mexicanidad – gusto por los adornos, descuido y Fausto, negligencia, pasión y
reserva – flota en el aire (…) porque no se mezcla ni se funde (…) con el mundo
norteamericano, hecho de precisión y eficacia. Flota, pero no se opone (PAZ, [1950]
1959, p. 12).
Perceba-se que no fragmento acima travamos contato com um Paz quase baudeleriano,
benjaminiano, um flâneur, um viajero que interfere sobre uma imagem a qual retoma,
interagindo junto a ela, a esta paisagem, sob o auxílio da memória (“Ao iniciar minha vida
nos Estados Unidos residi algum tempo em Los Angeles”/Tradução e grifo meus). Interpreta
o que vê, o que sente, extrai disso uma mexicanidade (“negativa”, é bem verdade: “gosto
pelos adornos, descuido e Fausto, negligência, paixão e reserva”) e, poeticamente, através de
traços e tipos (também retomados por Fuentes em La frontera de cristal) subjacentes sob o
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Para a leitura ainda mais aprofundada de vinculação entre estes três grandes intelectuais mexicanos, remeto o
leitor aos capítulos 1 e 3 de minha dissertação de mestrado ¿Quién soy yo? A fragmentação do sujeito
mexicano em La frontera de cristal, de Carlos Fuentes (UFF, 2010). Ali, ao tratar de modo mais específico do
interesse convergente dos três autores em deslindar uma pretensa identidade nacional mexicana, desenvolvo
argumentação sobre a ligação entre as linhas de pensamento adotadas pelos três autores.
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Remeto o leitor à seção de anexos da edição argentina de ...y no se lo tragó la tierra (2012, p. 262), onde
consta fotocópia autorizada da referida correspondência.
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