* Segunda versão.
Na noite, aziaga, na noite sem fim,
quibundos, cafuzos, cabindas mazombos
mandingam xangô.
Oxum! Oxalá. Ô! Ê!
Dois feios calungas — Taió e Oxalá rodeados de contas,
contas, contas, contas, contas.
No centro o Oxum!
Oxum! Oxalá. Ô! Ê!
Na noite aziaga, na noite sem fim
cabindas, mulatos, quibundos, cafuzos,
aos tombos, gemendo, cantando, rodando.
Senhor do Bonfim! Senhor do Bonfim!
Oxum! Oxalá. Ô! Ê!
Sinhô e Sinhá num mêis ou dois mês se há de casá!
Mano e Mana! Credo manco!
No centro o Oxum
Que dois bonequinhos na rede tão bamba
Ioiô e Iaiá!
Minhas almas
santas benditas
aquelas são
do mesmo Senhor;
todas duas
todas três
todas seis
e todas nove!
Santo Onofre,
São Gurdim,
São Pagão,
Anjo Custódio,
Monserrate,
Amém,
Oxum!
Na noite aziaga, na noite sem fim
recende o fartum. Recende o fartum.
Senhor do Bonfim! Senhor do Bonfim!
Oxum! Ô! Ê!
Redobram o tantã, incensam maconha!
Sorri Oxalá!
E a preta mais nova com as pernas tremendo,
no crânio um zunzum,
no ventre um chamego
de cabra no cio... Ê! Ê!
Meu São Mangangá
Caculo
Pitomba
Gambá-marundu
Gurdim
Santo Onofre
Custódio
Ogum.
Minhas almas
santas benditas
aquelas são
do mesmo Senhor
todas duas
todas três
todas nove
o mal seja nela
casado com ele.
São Marcos, S. Manços
com o signo-de-salomão
com Ogum-Chila na mão
com três cruzes no surrão
S. Cosme! S. Damião!
Credo
Oxum-Nila
Amém.
Pra donde que você me leva
Julião se apoderou da melodia às 10 horas da noite em pleno jazz. O tema é só pretexto porque o mágico Julião — transformou o saxofone e está transformando a gente. Tudo é ritmo binário como as pernas, os braços, os olhos, os dois corações de Julião. Então o ritmo e a melodia principiaram deveras organizando um chulear de batuque e canto rotundo de cortar coração. No cume da voz está Gêge — filha de Ogum deitada se balançando; nas outras partes sonoras há outros deuses aquentando uns aos outros. Nisso o canto esguincha do saxofone como um repuxo vermelho. Julião dobra o saxofone na pança confundindo-o com o esôfago, os olhos esbugalhados, a alma inocente subindo a Escada de Jacó para dentro de Deus. Julião treme recebendo intuições, amolengando entre uma nota e outra o feitiço pendurado no pescoço.
Pulam de dentro do escuro do saxofone mucamas lindíssimas para cada um dos fulanos, porém o poder da música é tão lavado e tão branco, é tão estrela-d’alva que as ditas nem se atrevem a se amulherar com eles. Julião está reluzente que nem esfregado com óleo de andiroba, cada vez mais requebrado, mais impoluto e transparente, as teclas fechando as válvulas de seu corpo banzeiro, o canto se espraiando unânime, parece que tem carajuru na face, o funil do aparelho está espraiado como sua boca branca, um estenderete só.
Ciscar no murundu!
Chupar caxundé!
Farrambambear por esse mundo!
Mulatear pelas senzalas brancas!
Mocar com a ocaia dos outros!
Tudo isso eram gritos sinceros, mas sem maldade, porque tudo estava peneirado, sessado pela água amandigada da música.
Pra donde que você me leva, poesia-uma-só? Pra donde que você me leva, mãe-d’água de uma só cacimba, Janaína de um só mar, Pedra-Pemba de um só altar?
Maria Diamba
Para não apanhar mais
falou que sabia fazer bolos:
virou cozinha.
Foi outras coisas para que tinha jeito.
Não falou mais:
Viram que sabia fazer tudo,
até molecas para a Casa-Grande.
Depois falou só,
só diante da ventania
que ainda vem do Sudão;
falou que queria fugir
dos senhores e das judiarias deste mundo
para o sumidouro.
Olá! Negro
Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos
e a quarta e quinta gerações de teu sangue sofredor
tentarão apagar a tua cor!
E as gerações dessas gerações quando apagarem
a tua tatuagem execranda,
não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!
Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi,
negro-fujão, negro cativo, negro rebelde
negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
negro que foste para o algodão de U.S.A.
para os canaviais do Brasil,
para o tronco, para o colar de ferro, para a canga
de todos os senhores do mundo;
eu melhor compreendo agora os teus blues
nesta hora triste da raça branca, negro!
Olá, Negro! Olá, Negro!
A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!
E és tu que a alegras ainda com os teus jazzes,
com os teus songs, com os teus lundus!
Os poetas, os libertadores, os que derramaram
babosas torrentes de falsa piedade
não compreendiam que tu ias rir!
E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e a tua bondade
mudariam a alma branca cansada de todas as ferocidades!
Olá, Negro!
Pai-João, Mãe-Negra, Fulô, Zumbi
que traíste as Sinhás nas Casas-Grandes,
que cantaste para o Sinhô dormir,
que te revoltaste também contra o Sinhô;
quantos séculos há passado
e quantos passarão sobre a tua noite,
sobre as tuas mandingas, sobre os teus medos, sobre tuas
[alegrias!
Olá, Negro!
Negro que foste para o algodão de U.S.A.
ou que foste para os canaviais do Brasil,
quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
para que os canaviais possam dar mais doçura à alma humana?
Olá, Negro!
Negro, ó antigo proletário sem perdão,
proletário bom,
proletário bom!
Blues
Jazzes,
songs,
lundus...
Apanhavas com vontade de cantar,
choravas com vontade de sorrir,
com vontade de fazer mandinga para o branco ficar bom,
para o chicote doer menos,
para o dia acabar e negro dormir!
Não basta iluminares hoje as noites dos brancos com teus jazzes, com tuas danças, com tuas gargalhadas!
Olá, Negro! O dia está nascendo!
O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?
Olá, Negro!
Olá, Negro!
Índice
Nota editorial
Novos poemas
Essa negra Fulô
Serra da barriga
Comidas
Maleita
Inverno
Madorna de Iaiá
Diabo brasileiro
Santa Rita Durão
Joaquina maluca
Os cavalinhos
Minha sombra
Domingo
Flos sanctorum
Louvado
Poema de duas mãozinhas
Mês de maio
Meus olhos
Credo
Cantigas
Salmo
Meu país
Poemas Escolhidos
Nordeste
Enchente
Arranha-céu
Cristo Redentor do Corcovado
Poema de Natal
Ave Maria
Balada
Fim
O filho pródigo
Poema relativo
Mulher proletária
Felicidade
Poema do nadador
Poema à irmã
Poema à bem-amada
Poema a Marcel Proust
Volta à casa paterna
Poema à pátria
Poemas negros
Bicho encantado
Bangüê
História
Democracia
Retreta do vinte
Quichimbi sereia negra
Zefa lavadeira
Benedito Calunga
Ladeira da Gamboa
Passarinho cantando
Exu comeu tarubá
Ancila negra
O banho das negras
Cachimbo do sertão
Obambá é batizado
Poema de encantação
Rei é Oxalá, rainha é Iemanjá
Foi mudando, mudando
Janaína
Quando ele vem
Xangô
Pra donde que você me leva
Maria Diamba
Olá! Negro
Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente.
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Este livro foi impresso na cidade de São Paulo
em abril de 1997, pela OESP Gráfica
para a Editora Nova Aguilar.
O tipo usado no texto foi Perpétua no corpo 11/1 2.2.
Os fotolitos de miolo e capa foram feitos pela Degraus,
o papel de miolo é off-set 75g g
e o da capa é Cartão supremo 250 g.
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