Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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com o meu mergulho para dentro do Reno em que, no sonho, nunca mais voltava à superfície, com a Judith em roupão lutando contra as lágrimas encostada à ombreira

da porta, com o velho Schmalz, largo e maciço, a sair do soco do monumento do jardim Bismarck, em Heidelberg, e a vir ao meu encontro, com o jogo de ténis contra

o Mischkey em que um rapazinho vestido com um uniforme das SS e com o rosto do Korten nos atira as bolas, com o meu interrogatório ao Weinstein e, sempre, o Korten

a rir-se de mim e a dizer: "Selb, o coraçãozinho de manteiga, o coraçãozinho de manteiga, o coraçãozinho de manteiga...".

Às cinco horas da madrugada fiz um chá de camomila e tentei ler, mas os meus pensamentos não queriam sossegar. Continuavam a girar. Como é que o Korten pudera fazer

aquilo, por que é que eu deixara tão cegamente que ele abusasse de mim, o que iria acontecer agora? Teria, o Korten medo? Devia eu alguma coisa a alguém? Haveria

alguém a quem eu pudesse contar tudo? Ao Nágelsbach? Ao Tyberg? A Judith? Deveria ir contar tudo aos jornais? O que fazer com a minha culpa?

Os pensamentos giraram em círculos durante muito tempo, cada vez mais rapidamente. Quando a sua velocidade se tornou absurda, dispersaram-se e ordenaram-se numa

imagem completamente nova. Já sabia o que tinha de fazer.

Às nove horas, telefonei à senhora Schlemihl. O Korten partira de férias no fim-de-semana, para a sua casa na Bretanha onde ele e a mulher passavam o Natal todos

os anos. Consegui encontrar o postal que ele me enviara no Natal anterior. Mostrava uma casa senhorial de pedra cinzenta com telhado de lousa e portadas vermelhas,

cujas travessas diagonais formavam um "Z" invertido. Ao lado, via-se um grande moinho de vento, atrás estendia-se o mar. Consultei os horários e encontrei um comboio

que me faria chegar a Paris por volta das cinco horas da tarde. Tinha de me apressar. Mudei a casa de banho do Turbo, meti-lhe suficiente comida granulada no pratinho

e fiz a mala. Corri para a estação, troquei dinheiro e comprei um bilhete de 2ª classe. O comboio estava cheio. Já não encontrei lugar na carruagem e por isso tive

de mudar de comboio em Saarbrúcken. O comboio seguinte também estava cheio. Soldados barulhentos que tinham autorização para irem passar o Natal a casa, estudantes,

homens de negócios atrasados.

A neve das últimas semanas derretera completamente, paisagens sujas verdes-acastanhadas voavam ao lado do comboio. O céu estava cinzento, por vezes o sol tornava-se

visível como uma lente lívida atrás das nuvens. Reflecti sobre a razão pela qual o Korten temera as revelações do Mischkey. Do ponto de vista judicial, ainda poderia

ser acusado do assassínio do Dohmke, não-prescrito e não-prescritível. E, mesmo que fosse libertado por falta de provas, a sua existência burguesa e o seu mito teriam

sido destruídos.

Na Gare de l'Est havia um stand de aluguer de carros, e escolhi um automóvel de classe média, que é semelhante em todas as marcas. Ainda lá deixei ficar o carro

algum tempo e fui para a cidade noctívaga e freneticamente pulsante. Diante da estação havia uma gigantesca árvore de Natal que derramava tanta atmosfera natalícia

como a torre Eiffel. Eram cinco e meia e eu tinha fome. A maioria dos restaurantes ainda estava fechada. Encontrei uma cervejaria que me agradou e onde serviam a

qualquer hora. Fui conduzido pelo chefe a uma pequena mesa e fiquei numa fila com mais cinco outros comensais que comiam cedo, a desoras. Todos comiam Sauerkraut

com carne de porco e salsichas, e eu escolhi o mesmo. A acompanhar, uma meia garrafa de Riesling da Alsácia. Num abrir e fechar de olhos, tinha ante mim um prato

deitando vapor, uma garrafa num recipiente baço com gelo e um cesto de pão de trigo. Em certas ocasiões, gosto do ambiente de cervejarias, de Bierkellern e de pubs.

Naquele dia, não era o caso. Comi rapidamente. Arranjei um quarto no hotel mais próximo e pedi para me acordarem daí a quatro horas.

Dormi como uma pedra. Ao acordar com o barulho do telefone, não fazia ideia de onde estava. Não abrira as portadas e o barulho da rua apenas chegava abafado ao quarto.

Tomei um duche, lavei os dentes, fiz a barba e paguei. No caminho para a Gare de l'Est, bebi um café expresso duplo. Mandei meter mais cinco na garrafa térmica.

Os meus Sweet Aflon tinham acabado. Voltei a comprar um maço de Chesterfield.

Tinha previsto seis horas para a viagem até Trefeuntec. Mas passou uma hora antes de conseguir sair de Paris e entrar na auto-estrada para Rennes. Havia pouco trânsito,

a viagem foi monótona. Apenas agora me apercebia de quão ameno estava. "Natal ameno, Páscoa nevada". De vez em quando passava por uma portagem e nunca sabia se tinha

de pagar logo ou levantar um cartão. Saí uma vez para pôr gasolina e admirei-me com o seu preço. As luzes das povoações tornaram-se mais esparsas, pensei se seria

do tardio da hora ou porque a região era menos povoada. Primeiro, alegrei-me com o rádio do meu carro. Mas só conseguia apanhar um posto e, depois de ter ouvido

pela terceira vez a música do angelque passa pelo room, desliguei-o. Por vezes, o piso da auto-estrada modificava-se e os pneus cantavam uma nova canção. Às três

horas, pouco antes de Rennes, quase adormeci; de qualquer maneira tive alucinações com pessoas que atravessavam a auto-estrada diante de mim. Abri a janela, virei

no parque de estacionamento seguinte, bebi a minha garrafa térmica até ao fim e fiz dez flexões.

Na continuação da viagem, pensei no papel do Korten no processo. Tinha jogado uma cartada arriscada. O seu testemunho não podia salvar nem o Dohmke nem o Tyberg,

mas tinha de soar como se fosse essa a intenção e, ao mesmo tempo, não podia prejudicá-lo seriamente. O Sòdelknecht quase o mandara prender. Como é que o Korten

se sentira ao fazer aquilo? Seguro e superior, porque sabia representar à frente de todos? Não, não deve ter tido nenhuns remorsos. Dos meus antigos colegas na Justiça,

conhecia as duas coisas necessárias para ultrapassar o passado: o cinismo e o sentimento de ter tido sempre razão e de apenas ter cumprido o dever. O caso Tyberg

teria servido para aumentar a fama das IQR, aproveitando ao mesmo tempo ao Korten?

Quando deixei para trás as casas de Carhaix-Plouguer, vi no espelho-retrovisor a primeira risca do nascer do sol. Ainda faltavam setenta quilómetros até Trefeuntec.

Em Plonévez-Por-zay, o bar e a padaria já estavam abertos, e comi dois croissants acompanhados de café com leite. Ao quarto para as oito, estava no golfo de Trefeuntec.

Tinha ido de carro até à areia ainda húmida e compactada. Sob um céu cinzento, o mar ia e vinha, rolando, cinzento. Na costa abrupta, à esquerda e à direita da enseada,

rebentava em coroas sujas de espuma. Ainda estava mais ameno do que em Paris, apesar do forte vento de Oeste que empurrava as nuvens diante de si. Gaivotas deixavam-se

elevar por ele e precipitavam-se, gritando, numa queda íngreme em direcção à água.

Comecei a procurar a casa do Korten. Internei-me um pouco em direcção a terra e encontrei uma vereda na riba Norte. Com as suas enseadas e rochedos, estendia-se

até onde a vista podia alcançar. Ao longe, distingui um vulto que poderia ser tudo, desde uma torre de depósito de água até um grande moinho de vento. Deixei o carro

atrás de uma cabana destruída pelo vento e dirigi-me à torre.

Ainda antes de ter visto o Korten, já os seus dois salsichas me tinham descoberto. Correram para mim desde longe e ladraram-me. Depois, ele surgiu de uma depressão

do terreno. Não estávamos muito longe um do outro, mas entre nós havia uma enseada, que rodeámos. Por um carreiro estreito que percorre o topo da riba, dirigimo-nos

ao encontro um do outro.

18

Velhos amigos, como tu e eu



Estás com muito mau aspecto, meu querido Selb. Uns dias de descanso aqui vão fazer-te bem. Não contava que viesses tão cedo. Vamos dar um passeio. A Helga está a

preparar o pequeno-almoço para as nove. Vai ficar contente por te ver.

O Korten enfiou o braço no meu e preparou-se para continuar a andar. Tinha um casaco leve de pano cru e parecia descontraído.

- Agora, já sei tudo - disse eu, e afastei-me dele.

O Korten olhou-me com atenção. E compreendeu logo.

- Não vai ser fácil para ti, Gerd. Para mim também não

foi, e fiquei contente por não ter de sobrecarregar ninguém com isso.

Fiquei a olhá-lo fixamente, sem fala. Ele voltou a aproximar-se de mim, tornou a enfiar o seu braço no meu e levou-me com ele, pelo caminho.

- Pensas que o fiz por causa da minha carreira. Não, na confusão dos últimos anos da guerra, era da maior importância conseguir-se uma verdade e uma clareza responsáveis,

tomar decisões inequívocas. A nossa equipa de investigação não teria tido muito futuro. Tive pena de que o Dohmke ficasse fora do jogo. Mas muita gente melhor do

que ele deixara lá a pele. O Mischkey também teve a hipótese de escolher, e agiu, arriscando a vida. - Parou e agarrou-me pelos ombros. - Tenta compreender-me, Gerd.

A fábrica precisava de mim, da maneira como eu me tornei nesses anos duros. Tive sempre uma grande consideração pelo velho Schmalz que, apesar de ser uma pessoa

tão simples como era, sempre compreendeu essas relações difíceis.

- Tu deves ser completamente louco! Mataste duas pessoas, e falas disso como se... como se...

- Ora, isso é um grande exagero. Fui eu que as matei? Ou foi o juiz, ou o carrasco? Ou o velho Schmalz? E quem é que dirigiu as investigações contra o Tyberg e o

Dohmke? Quem é que construiu a armadilha para o Mischkey e o apanhou? Todos estamos envolvidos, todos, e temos de o reconhecer, suportar, e cumprir o nosso dever.

Desprendi-me do seu braço.

- Envolvidos? Talvez estejamos todos envolvidos, mas foste tu quem mexeu os cordelinhos, tu! - gritei eu no seu rosto calmo.

Ele também parou.

- Isso é uma criancice: Foi ele! Foi ele! Nem sequer quando éramos crianças acreditávamos nisso; sabíamos muito bem que estávamos todos envolvidos, quando o professor

se irritava, quando um camarada era troçado, ou quando se fazia batota ao jogo.

Falava muito concentrado, pacientemente, ensinando, e eu sentia-me atordoado e confuso. Sim, o meu complexo de culpa tinha evitado enfrentar aquela realidade, ano

após ano.

O Korten continuou a falar.

- Mas, por favor!.. .Fui eu! Se precisas mesmo de ouvir isso: eu confesso! O que é que pensas que iria passar-se se o Mischkey tornasse tudo público, fosse contar

tudo aos jornais? Uma coisa daquelas não termina assim, com o antigo chefe a ser substituído por outro, e tudo continua. Não tenho de te dizer a repercussão que

a sua história iria ter nos EUA, em Inglaterra e em França, da concorrência onde se combate por cada centímetro, com todos os meios, do número de empregos que seriam

destruídos, daquilo que representa hoje em dia o desemprego. As IQR são um navio grande e pesado que, apesar da sua lentidão, se desloca a uma velocidade louca num

mar de gelo flutuante e, se o capitão se vai embora e deixa a roda do leme, encalha e destroça-se. Por isso é que eu tratei de tudo.

- Indo até ao assassinato?

- Deveria tê-lo comprado? O risco era demasiado alto! E não me venhas com a conversa de que nenhum risco é demasiado alto quando se trata de salvar uma vida. Isso

não é verdade... pensa nos mortos em acidentes de viação, nos acidentes de trabalho, nos tiros mortais da Polícia. Pensa na luta contra o terrorismo, em que a Polícia

já matou, sem querer, quase o mesmo número de pessoas que os terroristas com intenção. Desistir por causa disso?

- E o Dohmke?

Subitamente, sentia-me vazio. Via-nos ali, em pé, a conversar, como se estivesse a passar um filme sem som. A costa abrupta sob as nuvens cinzentas, a espuma suja

pulverizada, a estreita vereda e atrás dela os campos, dois homens idosos numa conversa agitada - as mãos gesticulam, as bocas movem-se, mas a cena é muda. Desejei

estar muito longe dali.

- O Dohmke? Na realidade não tenho mais nada a dizer em relação a ele. Que os anos entre 1933 e 1945 se mantenham no esquecimento, é o fundamento sobre o qual o

nosso Estado foi construído. Bom, tiveram e têm de fazer um pouco de espectáculo com processos e condenações. Mas em 1945 não houve nenhuma Noite das Facas Longas,

e essa teria sido a única maneira de haver um ajuste de contas. Dessa forma, o fundamento estaria selado. Não estás satisfeito? Bom, então: não se podia confiar

no Dohmke, ele era imprevisível. Talvez fosse um químico dotado mas, em todos os outros aspectos, era um diletante que não teria sobrevivido na frente de batalha

dois dias sequer.

Continuámos a andar. Ele não teve de enfiar outra vez o seu braço no meu: quando arrancou, acompanhei-o.

- O Destino pode falar assim, Ferdinand, mas tu não. Navios que abrem os seus próprios caminhos, fundamentos inalteráveis, envolvimentos nos quais somos apenas marionetas,

pendurados por cordelinhos... o que tu me contas sobre as forças e poderes da vida não altera nada no facto de tu, Ferdinand Korten, e só tu...

- O Destino? - Agora, ele estava furioso. - Nós somos o nosso próprio destino, e eu não imputo nada a quaisquer forças ou poderes. Tu é que és aquele que nem leva

as coisas até ao fim, nem deixa de as fazer. Manobras o Dohmke e o Mis-chkey, sim, mas quando se passa o que tem de se passar, ficas cheio de escrúpulos e não queres

ter visto nada, nem feito nada. Santo Deus, Gerd! Cresce, de uma vez por todas!

Continuou a andar, com o passo pesado. A vereda tornara-se muito estreita, e eu corri atrás dele, à esquerda a costa, à direita um muro. Atrás de nós, campos.

- Por que vieste? - Voltou-se. - Para veres se eu também te mato? Se te empurro daqui abaixo?

O mar espumava, cinquenta metros abaixo de nós. Riu-se, como de uma boa piada. Depois leu-o no meu rosto, ainda antes de eu o dizer.

- Vim para te matar.

- Para que eles tornem à vida? - troçou ele. - Porque tu... Com que então o criminoso quer fazer o papel de juiz, hein? Sentes-te inocente e achas que foste usado?

O que seria de ti sem mim antes de 1945, sem a minha irmã e os meus pais e, depois disso, sem a minha ajuda? Atira-te tu próprio daqui de cima, se já não aguentas

mais.

A sua voz esganiçou-se. Olhei-o fixamente. Depois, o seu rosto foi iluminado pelo sorriso que eu já conhecia, e de que gostava, desde a nossa juventude. Tinha-me



incitado a participar em partidas comuns e a sair delas, compreensivo, convincente, superior.

- Homem, Gerd, isto é uma loucura. Dois velhos amigos, como tu e eu... Anda, vamos tomar o pequeno-almoço. Já me cheira a café.

Assobiou aos cães.

- Não, Ferdinand.

Ele olhou-me com uma expressão de imenso espanto quando o empurrei com as minhas mãos diante do peito, quando perdeu o equilíbrio e se precipitou no abismo com o

casaco a drapejar. Não ouvi nenhum grito. Bateu num rochedo, antes de ser levado pelo mar.

19

Um pacotinho do Rio



Os cães seguiram-me até ao carro e correram alegremente ao meu lado até que saí do caminho, para a estrada. O meu corpo tremia todo e, ao mesmo tempo, sentia-me

tão aliviado como já há muito tempo não acontecia. Na estrada, passou por mim um tractor. O agricultor olhou-me com atenção. Ter-me-ia visto, do seu lugar elevado,

a empurrar o Korten para a morte? Não considerara a hipótese de existirem testemunhas. Olhei para trás; um outro tractor abria sulcos num campo, e duas crianças

passeavam de bicicleta. Dirigi-me para Oeste. Pensei em ficar em Point-du-Raz e festejar anonimamente o Natal em terra alheia. Mas não encontrei nenhum hotel, e

a costa alcantilada era exactamente igual à de Trefeuntec. Fui para casa. Em Quimper, havia um controlo da Polícia. Embora dissesse um milhão de vezes, de mim para

comigo, que aquele era um sítio pouco provável para procurarem o assassino do Korten, tive muito medo, durante a espera, em fila, até o polícia me mandar avançar.

Em Paris, apanhei o comboio das onze da noite, que ia vazio, e não tive problemas em arranjar lugar na carruagem-cama. Na véspera de Natal, por volta das oito horas,

estava de novo em Casa. O Turbo cumprimentou-me, amuado. A senhora Weiland tinha-me deixado o correio de Natal sobre a secretária. Para além dos votos comerciais

de Feliz Natal, encontrei um cartão de Natal de Vera Múller, um convite do Korten para passar a Passagem do Ano com ele e com a Helga, na Bretanha, e um pacotinho

vindo do Rio, da Brigitte, com uma roupagem índia. Fiz dela camisa de noite, e enfiei-me na cama. Às onze e meia tocou o telefone.

- Feliz Natal, Gerd! Onde é que tens estado?

- Brigitte! Feliz Natal.

Fiquei satisfeito mas, ao mesmo tempo, sentia-me completamente exausto e esgotado.

- Então, meu rabugento, não ficaste satisfeito? Já cá estou novamente. Esforcei-me.

- Não me digas. Óptimo. Desde quando?

- Cheguei ontem cedo e, desde então, tento encontrar-te. Onde é que te meteste?

Ouvia-se um tom de censura na sua voz.

- Eu não queria cá estar na Noite de Natal. Caiu-me o céu em cima da cabeça.

- Queres comer connosco um Tafdspitz? Já está ao lume.

- Sim... Quem é que está aí?

- Trouxe o Manu comigo. Olha... Ficarei muito contente por te ver!

Mandou-me um beijo pelo telefone.

- Eu também.

Retribuí-lhe o beijo.

Fiquei deitado na cama e regressei ao presente. Ao meu mundo, em que o Destino não conduz nenhum navio, nem faz dançar marionetas, em que não se constrói nenhum

fundamento, e não se faz história.

A edição de Natal do Súddeutschen estava em cima da cama. Fazia o balanço dos acidentes de trabalho por envenenamento na indústria química. Larguei-o logo.

O mundo não tinha ficado melhor com a morte do Korten. O que tinha eu feito? Vencera o meu passado? Enterrara-o?

Cheguei muito atrasado à refeição.

20

Daí, o nome Opodeldoque!



Na Véspera de Natal não houve qualquer notícia sobre a morte do Korten, e no Dia de Natal também não. Por vezes, eu ficava com medo. Assustava-me quando tocavam

à porta, e ficava à espera de que a Polícia irrompesse pela casa adentro. Às vezes, quando me estava a sentir bem nos braços da Brigitte, abençoado por beijos ternos,

perguntava ansiosamente a mim mesmo se aquele não seria o nosso último encontro. De vez em quando imaginava a cena em que eu estaria diante do Herzog a confessar

tudo. Ou preferiria prestar o meu depoimento ao Nàgelsbach?

A maioria das vezes sentia uma serenidade fatalista, e consegui gozar os dias entre os dois anos, até mesmo o café com bolo de ameixas e torrõezinhos de farinha

e manteiga em casa do Schmalz júnior. Simpatizei com o pequeno Manuel. Este tentava corajosamente falar alemão, aceitou sem ciúmes a minha presença matinal na casa

de banho, e esperava intrepidamente que nevasse. No começo, fazíamos excursões a três - visitas ao Trono do Parque dos Contos de Fadas e ao Planetário. Depois, começámos

a sair os dois sozinhos. Ele gostava tanto de ir ao cinema como eu. Quando saímos da Única testemunha, tínhamos ambos os olhos molhados. No Sfrtash, ele não compreendeu

por que razão a rapariga amava um tipo que era tão mau para ela - não lhe disse que era sempre assim. No Kleinen Rosengarten compreendeu logo o jogo que eu e o Gio-vanni

jogávamos, e entrou nele. Depois disso, foi impossível ensinar-lhe mais alguma frase em alemão correcto. No caminho de regresso, depois de andar de patins, agarrou

me na mão e disse:

- Tu sempre connosco quando eu voltar cá?

A Brigitte e o Juan haviam decidido que, a partir do Outono seguinte, o Manuel iria frequentar o liceu em Mannheim. No Outono seguinte, estaria eu na prisão? E senão

- estaria a viver com a Brigitte?

- Ainda não sei, Manuel. Mas, de qualquer maneira, iremos juntos ao cinema.

Os dias passaram sem que o Korten provocasse o aparecimento de grandes parangonas nos jornais, fosse como morto, fosse como desaparecido. Houve momentos em que desejei

que a coisa tivesse um fim, qualquer que este fosse. Mas, logo a seguir, ficava agradecido pelo tempo que me era oferecido. No dia a seguir ao Natal, telefonei ao

Philipp. Este queixou-se por ainda não ter tido oportunidade de ver a minha árvore de Natal.

- E onde é que te meteste nestes últimos dias?

Então tive a ideia de dar uma festa de Passagem de Ano.

- Tenho algo a festejar - disse. - Vem a minha casa para a Passagem do Ano, vou fazer uma festa.

- Queres que te leve uma da Formosa, maneirinha?

- Não é necessário, a Brigitte já cá está outra vez.

- Daí, o nome Opodeldoque! Mas, e eu? Posso levar uma comigo, para a festa?

A Brigitte ouvira a conversa telefónica.

- Festa? Que festa?

- Vamos festejar a Passagem do Ano com os meus e os teus amigos. Quem queres convidar?

Passei por casa da Judith no sábado à tarde. Encontrei-a a fazer as malas. Tencionava partir no domingo para Locarno; o Tyberg queria apresentá-la à sociedade de

Ticino, em Ascona, na Passagem do Ano.

- Ainda bem que vieste cá, Gerd, mas estou cheia de pressa. É importante? Não pode esperar? No fim de Janeiro estou cá outra vez.

Apontou para as malas abertas e fechadas, para duas grandes caixas de cartão das mudanças e para uma grande confusão de roupas. Reconheci a blusa de seda que ela

vestia quando me guiara do gabinete do Korten ao do Firner. Ainda lhe faltava o botão.

- Agora já sei a verdade sobre a morte do Mischkey.

Ela sentou-se numa mala e acendeu um cigarro.

- Sim?

Ouviu-me sem me interromper. Quando terminei, perguntou:



- E agora, o que é que vai acontecer ao Korten?

Tinha temido esta pergunta e por isso reflectira durante muito tempo se não deveria ir ter com a Judith apenas quando a morte do Korten fosse tornada pública. Mas

não podia deixar que a morte do Korten determinasse as minhas acções e, sem ele, não havia motivo nenhum para calar por mais tempo a solução do caso.

- Vou tentar desmascará-lo. O Korten volta da Bretanha no início de Janeiro.

- Ora, Gerd, certamente não acreditas que o Korten se vá abaixo no meio da conversa e confesse?

- Não acreditas que a Polícia consiga provar a culpa dele?

Desagradava-me discutir o que se iria passar com o Korten.

A Judith tirou outro cigarro do maço e rolou-o entre as cabeças dos dedos das duas mãos. Tinha um ar triste, esgotada com as reflexões em torno do assassinato do

Peter, e também enervada, como se quisesse deixar tudo aquilo, finalmente, atrás de si.

- Vou falar com o Tyberg. Não tens nada contra isso, pois não?

Nessa noite, sonhei que o Herzog me interrogava.

- Por que é que não se dirigiu à Polícia?

- O que é que a Polícia poderia fazer?

- Oh, hoje em dia temos meios impressionantes. Venha, vou mostrar-lhos.

Através de longos corredores e muitas escadas, chegámos a uma sala, como as que conheço dos castelos medievais, com tenazes, ferros, máscaras, correntes, chicotes,

correias e agulhas. Na chaminé ardia um fogo infernal. O Herzog apontou para o leito do suplício.

- Aqui teríamos feito o Korten falar. Por que é que não confiou na Polícia? Agora, é o senhor que se tem de estender aqui.

Não reagi e prenderam-me com correias. Quando já não conseguia mover-me, entrei em pânico. Devo ter gritado antes de acordar. A Brigitte tinha acendido o candeeiro


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