Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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- Alto! Pare, senão atiro!

As suas pesadas botas batiam em compasso rápido nas pedras da calçada, o ofegar do cão aproximava-se cada vez mais, e eu não tinha vontade nenhuma de conhecer o

regulamento sobre o uso de armas de tiro no recinto da fábrica. O Reno parecia frio. Mas eu não tinha escolha e saltei.

Graças à corrida, mergulhei com o balanço suficiente para só me deixar voltar à superfície da água depois de um bom bocado. Voltei a cabeça e vi os seguranças com

o pastor alemão parados no muro do cais a iluminarem a água com uma lanterna de bolso. As minhas roupas estavam pesadas e a corrente do Reno é forte, e só conseguia

avançar com muito esforço.

- Gerd, Gerd! - O Philipp deixava o barco flutuar ao sabor da corrente à sombra do muro do cais e chamava-me em voz baixa.

- Aqui - respondi num sussurro.

Depois, o barco apareceu ao meu lado, e o Philipp puxou-me para bordo. Nesse momento, Energia e Resistência viram-nos. Não sabia o que eles iriam fazer. Talvez desatar

aos tiros? O Philipp ligou o motor e virou para o meio do Reno com uma cintilante onda da proa. Fiquei sentado no convés, esgotado e tremendo de frio. Tirei o trapo

sujo de sangue do bolso.

- Podes fazer-me só mais um favor e investigar que tipo de sangue é este? Acho que sei qual é, grupo sanguíneo O, factor Rhesus negativo, mas certeza é certeza.

O Philipp sorria.

- Toda esta excitação por causa desse trapo húmido? Mas uma coisa de cada vez. Agora vais lá para baixo, tomas um duche quente e vestes o meu roupão. Logo que passarmos

pela polícia fluvial sem sermos incomodados, preparo-te um grogue.

Quando saí do duche, estávamos em segurança. Nem as IQR nem a polícia haviam mandado uma canhoneira à nossa procura, e o Philipp estava naquele momento a manobrar

o barco no braço do Reno Antigo, perto de Sandhofen. Embora o banho me tivesse aquecido, ainda estava a tremer. Aquilo tinha sido um pouco de mais para a minha idade.

O Philipp atracou no lugar de onde partira e entrou no camarote.

- Meu caro cisne! - Disse. - Pregaste-me um grande susto. Quando ouvi os tipos a baterem contra a chapa, pensei que algo tinha corrido mal. Só que não sabia o que

devia fazer. Depois, vi-te saltar. Os meus parabéns.

- Ora, quando tens um cão treinado e feroz a correr atrás de ti, não paras para pensar se a água estará demasiado fria, sabes? Muito mais importante foi tu teres

feito exactamente o que tinhas de fazer, no momento certo. Sem ti, provavelmente teria morrido afogado, a única incerteza era se com, ou sem, uma bala na cabeça.

Salvaste-me a vida. Estou muito feliz por não seres apenas um estúpido mulherengo.

O Philipp mexia em tachos e panelas, embaraçado, pela cozinha.

- Talvez agora possas contar-me o que tinhas perdido nas IQR.

- Perder, não perdi nada, mas encontrei algumas coisas. Além deste trapo nojento e molhado, encontrei a arma do crime e provavelmente também o assassino. Daí o trapo

molhado.


Enquanto bebia o grogue fumegante, contei ao Philipp a história da furgoneta e das suas surpreendentes opções.

- Mas se foi assim tão simples varrer o teu Mischkey de cima da ponte, porquê os ferimentos do veterano da segurança? - perguntou o Philipp quando terminei o relato.

- Devias ter ido para detective privado. És de compreensão rápida. Ainda não sei a resposta, a não ser que...

Lembrei-me do que a patroa do restaurante da estação me havia contado.

- A mulher da antiga estação de comboios ouviu dois estrondos, um logo a seguir ao outro. Agora já percebi. O carro do Mischkey ficou pendurado nos rails de protecção

da ponte, então, com um esforço enorme, o Schmalz sénior conseguiu tirá-lo do seu equilíbrio precário e foi aí que se feriu. Duas semanas mais tarde morria por causa

desse esforço. Sim, deve ter-se passado assim.

- Tudo isso bate certo, até do ponto de vista médico. O primeiro estrondo ao bater nos rails, o segundo no embate com a via férrea. Quando as pessoas idosas fazem

esforços exagerados, pode acontecer que sofram um pequeno acidente vascular cerebral. Do qual não se apercebem até ao momento em que o coração deixa de colaborar.

De repente, senti-me muito cansado.

- Apesar disso, ainda há muitas coisas que não estão claras.

Não foi o velho Schmalz que teve a ideia de matar o Mischkey. E também ainda não sei qual foi o motivo. Philipp, leva-me a casa, por favor. O Bordéus fica para a

próxima. Só espero que não venhas a ter complicações por causa das minhas aventuras. Quando virámos na Rua Gerwig para a Rua Sandhofen, um carro da Polícia passou

por nós a toda a velocidade com a luz azul a piscar e sem sirene, em direcção ao cais. Nem sequer me virei.

21

De mãos postas a rezar



Depois de uma noite febril, telefonei à Brigitte. Ela veio logo, trouxe quinino para combater a febre e gotas para o nariz, massajou-me as costas, pendurou a roupa

que eu deixara caída no corredor na noite anterior para que secasse, preparou-me qualquer coisa na cozinha para o almoço, que bastaria aquecer, saiu, comprou sumo

de laranja, glucose e cigarros e deu de comer ao Turbo. Foi eficiente, valorosa e preocupada. Quando eu quis que se sentasse por um bocadinho na beira da minha cama,

teve de se ir embora.

Dormi quase o dia inteiro. O Philipp telefonou e confirmou o grupo sanguíneo O e o factor Rhesus negativo. Na penumbra do meu quarto, penetravam pela janela os ruídos

do trânsito no Centro Augusta e os gritos de crianças a brincar. Lembrei-me dos meus dias de doença em menino, do desejo de brincar lá fora com as outras crianças,

e, ao mesmo tempo, do gozo da minha própria fraqueza e dos mimos maternos. Numa sonolência febril, fugia, correndo uma e outra vez à frente do cão a ofegar e de

Energia e Resistência. O medo que no dia anterior não sentira, porque tudo se havia passado demasiado depressa, apossava-se de mim. Tive fantasias febris sobre o

assassinato do Mischkey e os motivos do Schmalz.

Melhorei ao fim da tarde. A febre baixou, mas eu sentia-me fraco, e soube-me bem comer o caldo de carne com massa e legumes que a Brigitte preparara, e fumar depois

um Sweet Afton. Como deveria prosseguir o trabalho no meu caso? Um crime é um assunto de Polícia, e mesmo que as IQR, coisa que eu conseguia imaginar, fizessem correr

o véu do esquecimento sobre o incidente de ontem, os empregados da fábrica nunca mais me contariam coisa alguma. Telefonei ao Nâgelsbach. Ele e a mulher já tinham

jantado e estavam no atelier.

- Claro que pode passar por cá agora. Também pode ou vir connosco a Hedda Gabler, estamos neste momento no terceiro acto.

Pendurei um papel na porta para sossegar a Brigitte, caso ela ainda passasse por ali para ver como eu estava. A viagem até Heidelberg foi horrível. Só com muita

dificuldade é que a minha lentidão e a velocidade dos outros carros se entendiam.

Os Nâgelsbach viviam numa casa modesta dos anos vinte. O alpendre, inicialmente pensado para galinhas e coelhos, tinha sido transformado por Nâgelsbach no seu atelier,

com uma janela enorme e muitos candeeiros. A noite estava fresca, e na salamandra ardiam cavacos. O Nâgelsbach estava sentado no seu banco alto, diante do grande

tampo da mesa, sobre o qual ia tomando forma o "De mãos postas a rezar", de Dúrer, em paus de fósforo. A sua mulher lia alto, sentada na poltrona ao lado da salamandra.

Era o idílio perfeito que se oferecia aos meus olhos, quando entrei pelo portão de trás do jardim e me dirigi logo para o atelier, espreitando pela janela antes

de bater.

- Meu Deus, mas que aspecto tem!

A senhora Nâgelsbach cedeu-me a poltrona e sentou-se num escabelo.

- Deve ser uma coisa muito importante, para ter vindo aqui nesse estado - cumprimentou-me o Nâgelsbach. - Incomoda-o que a minha mulher fique? Eu conto-lhe tudo,

mêsmo do serviço. A obrigação de sigilo não se aplica a casais sem filhos, que só se têm um ao outro.

Enquanto eu falava, o Nàgelsbach continuou a trabalhar. Não me interrompeu. No fim do meu relato, ficou calado durante algum tempo; depois apagou o candeeiro de

trabalho, virou-se para nós no seu banco alto e disse:

- Explica ao senhor Selb o ponto da situação.

- Com aquilo que acabou de contar, a Polícia talvez obtenha um mandato de busca para o velho hangar. Talvez ainda lá encontre a Citroen. Mas nada nela será estranho

ou suspeito, já não existirá nenhuma película reflectora nem nenhum triplico mortal. A propósito, descreveu isso tudo maravilhosamente. Bem, e depois a Polícia pode

interrogar alguns dos seguranças da fábrica, a viúva Schmalz e ainda mais alguém entre as pessoas que nomeou, mas que resultados terá?

- Assim é. Claro que eu posso dar esse caso ao Herzog e ele pode tentar utilizar os seus conhecimentos nos serviços de Segurança da fábrica, mas isso não irá modificar

nada. Mas isso tudo já o senhor sabe, senhor Selb.

- Sim, também já tinha chegado a essa conclusão. Contudo, pensei que talvez se lembrassem de mais alguma coisa que a Polícia pudesse fazer, que... Ora, também não

sei o que pensei. Não consigo resignar-me com que o caso tenha este fim.

- Tens alguma ideia quanto ao motivo? - A senhora Nàgelsbach dirigia-se ao marido. - Não é possível fazer nada a partir disso?

- Com tudo aquilo que sabemos até agora, só consigo supor que houve qualquer coisa que correu mal. Da mesma maneira que na história que me leste há pouco. As IQR

têm problemas com o Mischkey, este torna-se cada vez mais incómodo e, então, um dos que manda, diz: "Agora já chega", e o seu subordinado apanha um susto e diz,

por sua vez: "Trate desse Mischkey de maneira a que ele nos deixe em paz, arranje-se", e o que recebeu esta ordem quer mostrar eficiência e esporeia os seus subordinados

e encoraja-os a encontrarem uma solução, mesmo que extraordinária, e no final desta longa cadeia um deles pensa que o que querem é que o Mischkey seja morto.

- Mas o velho Schmalz estava reformado e já não pertencia sequer a essa cadeia - reflectiu a mulher.

- Isso é difícil de afirmar. Quantos polícias não conheço eu que, mesmo depois de reformados, ainda se comportam como tal?

- Pelo amor de Deus - interrompeu-o ela -, não me estás a querer dizer que tu...

- Não, não estou a querer dizer-te nada. Talvez o Schmalz sénior fosse um desses que ainda se sentia ao serviço. O que eu quero dizer, com tudo isto, é que não é

necessário que exista um motivo para o crime, na acepção clássica do termo. O assassino pode ser apenas um executor sem motivo e, por sua vez, quem tinha o motivo

não queria que houvesse uma morte. Esse é o efeito e, ao fim e ao cabo, a razão de ser das hierarquias. Também conhecemos isto na Polícia, nas Forças Armadas.

- Pensas que poderia fazer-se mais alguma coisa, se o velho Schmalz ainda estivesse vivo?

- Bem, primeiro o senhor Selb nunca teria ido tão longe. Não teria sabido do ferimento do Schmalz, não teria ido procurar o velho hangar e nunca teria encontrado

a furgoneta assassina. As pistas há muito que teriam sido destruídas. Mas está bem, imaginemos que teríamos chegado às nossas informações de outra maneira. Não,

não penso que pudéssemos vir a saber mais alguma coisa pelo velho Schmalz. Esse deve ter sido um osso bem duro de roer.

- Mas isto não pode ser assim, Rudolf. Quando te ouvimos, parece que o único que se pode prender nesse tipo de cadeias hierárquicas é o último elo. E os outros todos,

são inocentes?

- Se são inocentes ou não, é uma questão; se conseguimos apanhá-los, é outra questão diferente. Vê bem, Reni, claro que não sei se houve realmente alguma coisa que

tenha corrido mal, ou se, antes pelo contrário, a cadeia estava tão bem oleada que cada um sabia bem o que se pretendia, sem ser necessário nomeá-lo. Mas se estava

assim tão bem oleada, não é possível arranjar provas nenhumas.

- Deveremos então aconselhar o senhor Selb a falar com um dos manda-chuvas das IQR? De modo a compreender o seu comportamento?

- Isso não ajudará a instrução criminal. Mas tens razão, é a derradeira coisa que ele ainda poderá fazer.

Fez-me bem o modo como os dois resolveram o jogo de perguntas e respostas sobre o qual eu, no meu triste estado, não conseguia reflectir como devia ser. Restava

então ter uma conversa com o Korten.

A senhora Nágelsbach fez-me uma verbena, e falámos sobre arte. O Nágelsbach contou o que o seduzia a realizar o "De mãos postas a rezar". Achava as reproduções habituais

demasiado sentimentais, tal como eu. Exactamente por essa razão, o seu desejo era conseguir, através da estrutura severa dos paus de fósforo, a sublime sobriedade

do modelo de Dúrer.

Quando nos despedimos, ele prometeu verificar a matrícula do Citroen do Schmalz.

O recado para a Brigitte ainda estava pendurado na porta. Quando já estava deitado, ela telefonou.

- Estás melhor? Lamento não ter podido voltar a passar por aí, mas simplesmente não consegui. Tens planos para o fim-de-semana? Achas que consegues vir jantar a

minha casa amanhã à noite?

Algo não estava bem com ela. A sua jovialidade parecia forçada.

22

Chá na loggia



Na manhã de sábado, encontrei uma mensagem do Nágelsbach e uma do Korten no gravador de chamadas. A matrícula do Citroen do velho Schmalz tinha sido atribuída há

cinco anos a um VW-Carocha de um funcionário dos Correios de Heidelberg. A matrícula que eu tinha visto provinha provavelmente desse antecessor tornado ferro-velho.

O Korten perguntava se eu não queria dar um salto a casa dele, na Rua Ludolf Krehl. Que lhe telefonasse a dar uma resposta.

- Meu querido Selb, ainda bem que telefonas. Queres vir hoje à tarde beber um chá na loggia? Ouvi que provocaste alguns distúrbios lá na fábrica. E pareces constipado,

mas isso não me espanta, ah! ah! Os meus parabéns pela tua condição física.

Às quatro, estava na Rua Ludolf Krehl. Para Inge, caso ainda fosse a Inge, trouxera um ramo de flores outonal. Admirei o portão da entrada, a câmara de vídeo e o

intercomunicador. Consistia num auscultador de telefone preso a um longo cabo, que o motorista podia tirar de uma caixa ao lado do portão e passar a Sua Senhoria,

dentro do carro. Quando fiz menção de me sentar no carro com o auscultador, ouvi o Korten dizer, com a paciência atormentada com que se fala com uma criança mal-educada:

- Não faças disparates, Selb! O teleférico já vai a caminho.

Durante o trajecto, tinha uma vista de Neuenheim, da planície do Reno até à floresta do Palatinado. O ar estava transparente e eu conseguia reconhecer as chaminés

das IQR. O seu fumo branco perdia-se inocentemente no céu azul.

Vestindo umas calças de flanela grossa, camisa aos quadrados e casaco de malha de andar por casa, o Korten cumprimentou-me calorosamente. A sua volta saltitavam

dois salsichas.

- Mandei pôr a mesa na loggi. Não está demasiado frio para ti, pois não? Posso emprestar-te um dos meus casacos de malha, a Helga tricota uns atrás dos outros.

Ficámos ali de pé e saboreámos a vista.

- Aquela igreja lá em baixo é a tua?

- A Igreja de S. João? Não, pertencemos à paróquia da Igreja da Paz, em Handschuhsheim. Fui lá presbítero. Um mester bonito, esse.

A Helga apareceu com a cafeteira, e eu livrei-me das flores. Conhecera a Inge apenas de passagem e também não sabia se ela morrera, se divorciara ou se simplesmente

partira. A Helga, a nova mulher ou a nova amante, era parecida com ela. A mesma vivacidade, a mesma modéstia fingida, a mesma alegria pelo meu ramo de flores. Comeu

a primeira fatia do bolo de maçã connosco. Depois: "Vocês, homens, querem certamente ficar sozinhos". Como é próprio, ambos a contradissemos. E, como é próprio,

apesar disso ela deixou-nos sós.

- Posso comer mais uma fatia do bolo de maçã? Está muito bom.

O Korten recostou-se na poltrona.

- Estou certo de que tinhas um motivo muito forte para teres assustado os nossos seguranças, na noite de quinta-feira. Se não te importares, gostaria muito de saber

qual era. Fui eu quem te introduziu há pouco tempo na fábrica, e tenho sido alvo de olhares espantados desde que a tua aventura se tornou conhecida.

- Conhecias bem o velho Schmalz, em cujo enterro foi lida uma despedida pessoal tua?

- Certamente que não foste ao barracão à procura da resposta a essa pergunta. Mas está bem, conhecia-o melhor e gostava mais dele do que de todos os outros seguranças

da fábrica. Naquele tempo, nos anos maus, estabelecemos relações de amizade com alguns trabalhadores simples, o que hoje em dia já não é possível.

- Foi ele quem matou o Mischkey. E eu encontrei no hangar provas disso, a arma do crime.

- O velho Schmalz? Esse não era capaz de fazer mal a uma mosca. Mas como foi possível convenceres-te disso, meu querido Selb?

Sem falar na Judith, e sem entrar em pormenores, relatei o que se passara.

- E se me perguntares o que tenho eu a ver com isso, então lembra-te da nossa última conversa. Pedi-te para tratares o Mischkey suavemente, e pouco tempo depois

ele morre.

- E onde está a razão, o motivo, do velho Schmalz, para uma acção desse género?

- Podemos falar disso já a seguir. Mas primeiro gostaria de saber se tens ainda alguma pergunta em relação ao que se passou.

O Korten levantou-se e andou de um lado para o outro Com passos pesados.

- Por que é que não me telefonaste logo, ontem de manhã? Talvez pudéssemos ter encontrado mais alguma coisa no hangar. Agora é tarde de mais. Já estava marcado há

semanas: ontem demolimos o complexo dos antigos edifícios, incluindo o velho hangar. Esse foi também o motivo pelo qual fui falar pessoalmente com o velho Schmalz

há quatro semanas. Tentei explicar-lhe, enquanto bebíamos uma aguardentezinha, que, Infelizmente, não podíamos deixar-lhe o velho hangar, nem a antiga casa da fábrica.

- Estiveste em casa do velho Schmalz?

- Pedi-lhe que viesse ter comigo. Claro que uma comunicação desse tipo não passa normalmente por mim. Mas ele recordava-me sempre os velhos tempos. Sabes que ultimamente

estou cada vez mais sentimental.

- E o que é que aconteceu à furgoneta?

- Não faço ideia, o filho deve ter-se ocupado dela. Mas, voltando atrás, onde vês tu um motivo?

- Na verdade, pensei que tu pudesses dizer-me isso.

- Como assim?

Os passos do Korten diminuíram a cadência; depois parou, virou-se para mim e olhou-me com atenção.

- Que o velho Schmalz não tinha nenhum motivo pessoal para matar o Mischkey, percebe-se. Mas a fábrica tinha alguns problemas com ele, tinha-o pressionado, até o

tinha mandado espancar; e ele reagiu. E, de um momento para o outro, poderia expor o vosso acordo com o Gremlich. Não queres com certeza dizer-me que não sabias

de nada?


Não, o Korten não queria dizer isso. Soubera dos problemas, e também do acordo com o Gremlich. Mas nada daquilo chegava para cometer um assassinato.

- A não ser que... - tirou os óculos -, a não ser que o velho Schmalz tivesse percebido mal. Sabes, ele era uma daquelas pessoas que ainda pensava estar ao serviço,

e se o filho ou outro segurança qualquer lhe contou os problemas com o Mischkey, talvez ele tenha pensado que tinha de se armar em salvador da fábrica.

- O que poderia o velho Schmalz ter entendido de uma maneira tão errada?

- Não sei o que o filho, ou qualquer outra pessoa, lhe terá contado. Ou se alguém o terá mesmo instigado? Vou investigar essa coisa a fundo. É insuportável pensar

que afinal abusaram do meu velho Schmalz dessa maneira. E que fim trágico. Um grande amor pela fábrica, um pequeno e estúpido mal-entendido, e eis que, sem razão,

ele ceifa uma vida e sacrifica a sua.

- O que é que se passa contigo? Sacrificar a vida, ceifar uma vida, tragédia, abuso... pensava que não era condenável usarmos as pessoas e que era apenas pouco delicado

deixar que elas se apercebessem disso.

- Tens razão, mas voltemos ao assunto. Devemos informar a Polícia?

E isso era tudo? Um segurança veterano, demasiado zeloso, havia morto o Mischkey, e isso nem sequer tirava o apetite do Korten pelo ovo do pequeno-almoço. A perspectiva

de ver a Polícia na fábrica assustá-lo-ia? Fiz uma tentativa.

O Korten pesou as vantagens e as desvantagens.

- Não se trata apenas do facto de ser sempre desagradável ter a Polícia na fábrica. Tenho pena da família Schmalz. Perder o marido e pai e depois ainda vir a saber

que ele cometeu um erro mortal... Poderemos assumir isso? Não há nada mais a expiar: o Schmalz pagou com a vida. Ainda estou preocupa do com a indemnização. Sabes

se o Mischkey ainda tinha pais, dos quais cuidasse, ou quaisquer outras obrigações, ou se tem uma lápide decente? Terá deixado alguém a quem se possa oferecer alguma

coisa? Importar-te-ias de tratar disso?

Parti do princípio de que ajudith não quereria coisa nenhuma.

- Já investiguei o suficiente no caso Mischkey. O que ainda pretendes saber, se essa for verdadeiramente a tua intenção, pode a senhora Schlemihl tratar com uns

poucos de telefonemas.

- És sempre tão susceptível. Fizeste um trabalho excepcional no caso Mischkey. Também te estou agradecido por teres continuado com a segunda parte das tuas investigações.

Tenho de estar informado sobre essas coisas. Posso estender até ao tempo presente o trabalho original de que te incumbi e pedir-te que me apresentes a conta?

Enviar-lhe-ia a conta.

- Ah, e uma coisa ainda - disse o Korten -, já que estamos a tratar de coisas práticas. Esqueceste-te de devolver a identificação especial com o teu relatório. Desta

vez, mete-a dentro do envelope com a factura.

Tirei a identificação do bolso.

- Podes ficar já com ela. E agora vou-me embora.

A Helga entrou na loggía como se tivesse estado à escuta atrás da porta e ouvisse o sinal de despedida.

- As flores são maravilhosas, quer ver onde as coloquei?

- Ora, tratem-se por tu, meninos. O Selb é o meu amigo mais antigo.

O Korten pôs-nos os braços em redor dos ombros.

Eu queria desaparecer dali. Em vez disso, segui os dois até ao salão, admirei o meu ramo de flores sobre o piano, ouvi o estalo da rolha da garrafa de champanhe

e brindei com a Helga ao tratamento por tu.

- Por que é que não o vimos mais frequentemente aqui em casa? - perguntou ela com toda a inocência.

- Sim, isso tem de se alterar - disse o Korten, antes que eu pudesse dizer alguma coisa. - O que pensas fazer na Passagem do Ano?

Pensei na Brigitte.

- Ainda não sei.

- Isso é óptimo, meu querido Selb. Então, voltaremos a falar em breve.

23

Tens um lenço?



A Brigitte havia cozinhado strogonoffáe lombo de vaca com cogumelos e arroz. Estava delicioso, o vinho estava à temperatura adequada, e a mesa afectuosamente posta.

A Brigitte falou muito. Eu trouxera-lhe o Greatest Hits do Elton John, e ele cantava o amor, a mágoa, a esperança e a separação.

Ela alargou-se sobre a reflexologia, a acupressura e o rol-fing. Falou-me de doentes, de caixas de previdência e de colegas. Não se estava a importar nada se isso

me interessava ou se eu me sentia melhor.

- O que é que está a passar-se contigo? Hoje à tarde, quase não reconheci o Korten, e agora estou sentado ao lado de uma Brigitte que apenas tem a cicatriz no lóbulo

da orelha em comum com a mulher de quem eu gosto.

Ela pousou o garfo, apoiou os braços na mesa, tapou a cara com as mãos e começou a chorar. Dei a volta à mesa e fui até junto dela; ela escondeu a cara na minha


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