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Aquilo que indica correspondência com o acima exposto é o fato de que em ...y no se
lo tragó e La frontera a linguagem popular que seus autores levam a suas obras literárias é
essa língua “estrangeira” e surpreendente a conceder caráter de estranho, a causar
estranhamento e emprestar seu tom de literariedade aos romances doa quais aqui se trata. E se
temos em Boris Eikhenbaum ([1925] 1973, p. 13 – grifo do texto) a atenção voltada para o
feito de que muito dos preceitos formalistas levantavam em seus estudos que “os fatos
artísticos testemunhavam que a differentia specifica da arte não se exprimia através dos
elementos que constituem a obra, mas através da utilização particular que se faz deles”,
destaco que em Tomás Rivera e Carlos Fuentes o surpreendente não está no simples uso de
linguagem popular em seus romances; mas, antes sim, na maneira como o fazem; ou seja, no
uso literário, na potencialização literária que a essa captação concedem.
O trato que em Fuentes se dá ao elemento constituinte linguagem popular tem a ver
com a narratividade imposta em seu romance. Em La frontera de cristal, o narrador eleito por
Fuentes empreende uma espécie de narratividade coiote, com destaque para a busca de
convencimento, de apanhamento do leitor; demonstrando para tanto, inclusive, fluência nos
mais variados registros linguísticos, dentre os quais está o popular. O que surpreende, pois, é
que a verbosidade desse narrador fuentesiano não é repetitiva ou mesmo enfadonha,
concretizando-se em um hábil uso de justaposição de registros sem que se perca fluidez
narrativa.
Assim é que mesmo toda uma linguagem de rebuscado teor poético e de evocação
barroca usada, por exemplo, no primeiro capítulo da obra, o conto “La capitalina”, não serve
de impeditivo para que se possa fazer uso de termos e frases de caráter tão popular como:
“decir ni mú”, para expressar silêncio; “nomás”, para apenas; “vieja”, para parceira; “de a tiro
nacas”, para expressar aparência de provincianismo nas maneiras das mulheres nortenhas do
México; “chorcha de las cuatitas”, para amigas de uma mesma origem reunidas em conversa;
“ni caso”, para atenção não dada; “chueco”, para defeito; “cabrón”, para safado. Justapõe-se,
ainda, a outros tons da narração, a inserção de mexicanismos linguísticos como: “chilango(a),
para os originários da capital Cidade do México; “nacos”, para designar o estereótipo do
mexicano que, por seu comportamento e modos de vestir se aproxima da visão depreciativa
do indígena enquanto sujeito iletrado e ignorante
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; “ni que la chingada”, para enfatizar
contrariedade; “pinche”, para pessoa que não agrada; “güeritos”, para crianças loiras;
“güevón”, para buscar imitar na grafia uma pronúncia para “huevón”; etc. Há também a
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Deriva de alusão pejorativa ao povo indígena totonaco, que viveu nos arredores da Cidade do México no início
do século XIX.
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necessária inclusão de “mechicanismos” representados pelo “espanglês” próprio das relações
de alteridade fronteiriças mexicano-estadunidenses, presente em interposições oracionais
como “en el high school”, “Te irá mejor, boy” ou mesmo “You’re one tough hombre”. O fato
é que esse aspecto mais popular da linguagem se vê potencializado pela estratégia narrativo-
literária de justaposição desses registros a outros de aparência mais padrão, emprestando ao
todo narrativo toda uma fluidez que tende a atrair o leitor pelo desautomatismo do ritmo
orquestrado por meio de verdadeiros fraseos envolvedores.
Já em Tomás Rivera, o uso de linguagem popular demanda de um projeto ainda maior
desse autor ligado às demandas dos movimentos político-ideológicos dos quais fizeram parte
também os chicanos dentro da luta pelos direitos civis que arrebatou os EUA entre o final dos
anos de 1960 e o início dos de 1970. A adesão a esse projeto maior por parte do autor é,
inclusive, tocada por Gustavo Buenrostro em sua introdução para os anexos da edição
argentina de ...y no se lo tragó la tierra. Segundo Buenrostro (2012, p. 192 – grifo do texto),
“Para el mismo Rivera, el éxito del movimiento chicano sería medido de acuerdo al nivel de
emancipación cultural logrado”. Buenrostro completa seu raciocínio, citando o próprio
Rivera, que como alcance possível para sua obra propunha através de ...y no se lo tragó la
tierra “destruir los estereotipos que nos habían adjudicado; también había otro propósito:
crear por medio del bilingüismo y pachuquismos, nuestro propio caló; ir hacia nuestra propia
gente y documentarnos aquí” (RIVERA [1979, s/p] apud BUENROSTRO, 2012, p. 192).
A “documentação” a que se propõe Rivera adentra seu romance como uma linguagem
literária elaborada a partir da noção de pertencimento que lhe produzia a língua que mais lhe
era familiar. Isso pode mesmo ser evidenciado de maneira franca, como em carta de 1976, na
qual responde ao amigo Dr. Jesús Chavarría, então professor do Departamento de História da
University of California. Nessa correspondência, Tomás Rivera explica ao amigo porque
havia escrito ...y no se lo tragó la tierra em espanhol:
Realmente me hubiera sido imposible escribir Tierra en inglés. Lo que escribo en
esa obra se manifiesta, se evoluciona y lo invento totalmente dentro del idioma
español. Esto fue/es así porque el ambiente, las personas, todo se basan en lo que
ocurre dentro del mundo chicano – idioma español normalmente del trabajador
migrante chicano. (RIVERA, [1976] 2012, p. 263 – grifo do autor)
O trabalho literário, pois, do registro popular dessa língua que lhe era tão próxima
entra na atitude política-ideológica de afirmação do caló de sua gente, não tão bem visto
dentro do sistema universitário de ambos os lados do entorno fronteiriço mexicano-
estadunidense. Tendo tomado contato com as regras desse sistema educacional do lado
chicano da fronteira, por assim dizer, é emblemática e contundente a elaboração da língua
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